Chegou à porta da sua casa no beco sem saída, o seu coração bateu desesperadamente, esperando que não fosse tarde, irremediávelmente tarde. A noite estava escura como breu ponteada, por uma ou outra luz acesa nas casas.
Veio a voar com várias hipóteses de acidente, por milímetros e infrações graves pelo caminho. Na sua cabeça, só havia espaço para o ruído crescente, ensurdecedor, das suas últimas palavras. Esperando que as mesmas, não tivessem sido as últimas.
Nem reparou que um vizinho, olhava inquieto, umas vezes para si e depois para a janela do primeiro andar, onde um profundo silêncio e vazio reinava. Não era um bom sinal, ali existiam meia dúzia de casas e de carros, pelo que ela já reconhecia o ruído do seu, um agonizante Golf, de dez anos de maus tratos.
De modo que quando saía da viatura, logo se deparava com aquela confluência feliz do sorriso dos lábios e do olhar a pairar, por cima da floreira e a mão dela tão delicada, a afastar a cortina de renda branca, que coava a luz e elegia a sua esbelta silhueta.
Não foi o que hoje aconteceu, pelo que agora aguardava ansiosamente, que ela lhe abrisse o trinco que conhecia, ao cimo das escadas. Arrombaría a porta, se dentro de poucos minutos não houvesse resposta do outro lado.
" -Não aguento mais! Vou cometer uma loucura!"
Foram as suas últimas palavras ao telefone, as mesmas contrastavam com a aparente serenidade do seu último encontro. Sendo certo que o trabalho do escritório não lhe tenha permitido nos últimos dias acompanhá-la como devia, nada fazia prever, o dramatismo com sabor a ultimato daquelas palavras, não só para si mas tambêm para ela.
Já se preparava para ganhar balanço e deitar a porta abaixo, quando o vulto de um homem de alguma idade, envolto na sombra um pouco familiar, lhe perguntou com acento vagamente ameaçador.
"-O que é que o senhor quer? Não acha que não são horas de incomodar as pessoas?"
Perplexo, acenou algo que se podia confundir com uma desculpa, meteu o rabo entre as pernas e deu meia volta. Na sua cabeça zuniam inúmeras interrogações, abismos, silêncios inexplicáveis, o implacável avanço do vazio, da perda, do futuro da ausência e da perda de sentido.
Chegou a casa, não sabia por onde passou, guiou como um autómato, teve uma estranha dificuldade em estacionar. Retirou do bolso o molho de chaves, não reconhecia qual delas era a do seu apartamento.
Abriu a porta e foi só devido àquele inesperado caos que se instalou no seu coração e cabeça
que não se deu conta, de que um perfume pairava no hall de entrada.
Subitamente, sentiu os braços daquela mulher que julgava perdida em seu redor e suas pernas em tenaz a impedirem-no de avançar, de partir.
"- O meu pai apareceu lá em casa e vai ficar uns dias. Não conseguia estar mais tempo sem te ver, meu amor!"
Lisboa, 8 de Março de 2014
Carlos Vieira
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