Hoje, é um daqueles dias que estando na cidade,me apetece o campo.
As veredas de arbustos lacrimejantes.O caminho mínimo e vertical do caracol subindo o tronco. A cal das casas antigas e dos muros, contornados pelo verde rasteiro das ervas. A expressão paciente dos rostos com rugas. O aroma do vinho novo das adegas. As capelas onde todos meditam e oram, por tudo e por todos com suas torres e sinos, onde se anunciam as horas e as mortes. As brancas escolas primárias com seus quadros negros e números brancos e o cheiro da tinta permanente.
Tenho sede das fontes e açudes com seus murmúrios e recantos de água, da fragilidade dos cântaros, da graciosidade pueril da história de amor campestre e medieval.
Regressar à lengalenga e à mímica outonal, da empa e da poda dos agricultores, abraçados às plantas nas vinhas e pomares.
Segreda-me a saudade do silêncio das noites aldeias, assando batatas doces na magia das larareiras, repetindo excertos de contos e de realidade fantástica e de coragem de que só me lembro o final, "morra homem e fique fama" e a outra, em que alguém jurava que J. aguentara, "meia hora debaixo de água", num qualquer pego.
Apetecem-me as tabernas com seus balcões altos, onde alumiando repousavam a solidez de vidro dos copos de três e a transitoriedade das cascas de tremoço.
Quero despertar outra vez com um canto do galo e avistar na crista da serra, o sol, que a seguir tropeça, refratando a dor da sua luz, numa pedra de quartzo.
Confesso e assino que hoje me apetece o campo e possivelmente se ali estivesse me apetecesse a ti, cidade, porque não descanso, enquanto não encontro refúgio, de mim!
Lisboa, 28 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira