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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Na cervejaria com Ruy Belo

Mas quando Maria se encaminhou para o balcão, descobriu que diante de um acampamento de canecas de cerveja havia um vulto. Não se podia ver da entrada porque estava encoberto por uma coluna de lagostas vivas dispostas numa vitrina quase até ao tecto.

Maria sentou-se ao balcão no sítio onde acabava o estendal de canecas vazias e pousou a malinha e os óculos de sol no banco ao lado. O vulto lia A Bola apoiado numa cerveja a florir de espuma. Era um indivíduo louro e encorpado, um tanto para o gordo; cabeça à meia calva, salpicada dum orvalho que era o transpirar da fresca e esfuziante bebida matinal; mãos mimosas embora sólidas, de anjo camponês (se é que há disso, anjos camponeses). Maria viria a saber que estava na presença do poeta Ruy Belo que só conhecia pelo lido

Como era de esperar, o poeta Ruy Belo ao vivo e em tal e qual não tinha nada que fizesse supor o dos versos. Bebia cavalarmente (coisa que não constava por escrito) pois já tinha com ele uns largos litros de cerveja e ainda a manhã ia no princípio. Lia A Bola com a devoção de quem lia o Plutarco, ao mesmo tempo que mastigava de maneira truculenta tremoços apanhados ao acaso e até migalhas deixadas no balcão sabe-se lá por quem.


José Cardoso Pires

domingo, 2 de setembro de 2012

Na morte de Marilyn



Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quem a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e ao abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à governanta não me acorde amanhã
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sozinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar
que em vez de ver um todo se decida dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser atá ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou.
Ruy Belo


                                                       Marilyn Monroe por sloreXcore

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Esplendor na Relva


                                                Natalie Wood em "Splendor in the Grass"

Eu sei que deanie loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminhae a sua evolução segue uma linhaque à imaginação pura resiste

A vida passa e em passar consiste

e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minhaevocação de deanie quem desiste

na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquela que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais

lhe será dado a ver o que ela era)
Mas em deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais

Ruy Belo