Aconteceu assim: estavam casados há quarenta e seis anos. Os filhos casaram, saíram de casa ou ficaram pelo caminho. Então tiveram cães. Sete ao longo de quase meio século. (Possuíam uma velha casa húmida, sobre o comprido e estreita e que cheirava a esgotos sem que eles o notassem: sinistro). Nenhum cão foi mais amado do que Júlio, um cão de apartamento, branco e sujo. Era muito meigo e passava o dia a lambê-los até obter o que desejava. Dormia aos pés da cama e aos primeiros alvores da madrugada ia acordá-los com grandes lambidelas. Um dia, a velha ficou cheia de ciúmes, convenceu-se de que ele preferia o seu marido. Calou-se, não disse nada, sofreu em silêncio e tentou conquistar o cão por meio de manhas e guloseimas; mas Júlio continuou, sem dúvida devido a uma escolha firme, a lamber primeiro as mãos do velho. A mulher envenenou aos poucos o marido. Conta-se que o cão morreu no mesmo dia que o dono, mas trata-se de uma liberdade poética; na realidade sobreviveu mais três anos para grande alegria da boa senhora.
Max Aub, Crimes Exemplares
Max Aub, Crimes Exemplares