I
Hoje acordo
e o Porto
sinuoso
insinuante
insinuante
ali por perto
cidade
de recato
de recantos
com epiderme
de granito
e alma
maior
que o socalco.
“Ainda não deu hora nenhuma!" de Fernando Pessoa, pintura de Nadir
Afonso
II
Espera-te
generosa
do tamanho
dos abraços
de todas
de todas
as suas pontes,
a gaiola
mágica
mágica
de S. Luís
replicando
replicando
pardais subtis
metálicos
e a dissonância
dos carris
e das viagens
virá depois
virá depois
a da Arrábida,
emoldura
deslumbrados
salgueiros
acordeões
de neblina
inventam
inventam
o tango
no tráfego
no tráfego
das manhãs.
“Ponte de S. Luís” de Nadir Afonso
III
Entre ambas
espera-te
a silhueta discreta
a silhueta discreta
o amante
improvável
no Cais da Ribeira
tu erecta
um pouco distante
luminosa
articulas
articulas
o inábil instante
quase ao de leve
brejeira
inclina-se o ciúme
do anúncio
Porto Sandeman
do anúncio
Porto Sandeman
e as casas
para te ver passar
já demente
de braço dado.
de braço dado.
“A cidade e os seres” de Nadir Afonso
IV
Espera-vos
à Alfândega
tira o pé
da embraiagem
tira o pé
da embraiagem
tão inquietos
de tanto
contrabando
de desejos
a maresia
a maresia
dos seus cabelos
desgrenhados
acentuando
a afogueada
acentuando
a afogueada
transação de beijos
na Foz
a barra fechada
não resistiu
não resistiu
a um amor subversivo
a resvalar
no cabedal
do banco traseiro
e já ninguém vê nada
entre a lucidez
e a loucura
dos vidros embaciados.
“Os seres e a cidade” de Nadir Afonso
V
No peito
um diadema
de espuma
no mar salgado
se digladia
e cresce o caudal
de todas as terras
das fragas
e brasões
que os viram passar
contra corrente
na margem
em cada
cave uma revolta
a decantar
a cor rubi
da volúpia
e um cálice
de poesia.
contra corrente
na margem
em cada
cave uma revolta
a decantar
a cor rubi
da volúpia
e um cálice
de poesia.
VI
Espera-os
a cidade que recobra
a lucidez
e suavidade de gente
cúmplice
nos arredores do tempo
no refúgio
das linhas direitas
nos arredores do tempo
no refúgio
das linhas direitas
que se fez
inamovível
a bater nas rochas
a vida inteira
a vida inteira
ouve-se murmurar
o seu olhar
insaciável
em Leça da Palmeira
insaciável
em Leça da Palmeira
arrefece
o gin
na Casa de Chá
o gin
na Casa de Chá
enquanto esmorece
o frémito
das gaivotas
incendeia-se
o teu corpo
luzeiro
de uma noite
e de uma cidade
sem fim.
o frémito
das gaivotas
incendeia-se
o teu corpo
luzeiro
de uma noite
e de uma cidade
sem fim.
"A Gaivota" de Nadir Afonso
Lisboa, 25 de Novembro de 2013
Carlos Vieira