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terça-feira, 14 de janeiro de 2014
Habitar Herberto
(…) um poema é a melhor crítica a um poema (…) *
estende a tua mão contra a minha boca e respira,
e sente como respiro contra ela *
Prendo na mão o teu hálito
quente e já a minha pele não resiste à
combustão iniciática.
Hoje é um dia claro e quieto. As bocas
descansam numa respiração branca
imperturbada
e só o teu hálito
persiste no labor das chamas,
no cantante ofício de forjar as palavras
que me pões a arder nas linhas da mão
como um destino.
Laranja, pêra, madeira, luz, cabelo, fogo, ar.
Substantivo.
Língua.
Ardem-me nos olhos e nos contornos
inflamáveis das coisas
que carregam o fogo.
Cabelo. Madeira.
Ainda há pouco o meu cabelo era só
um punhado de fios castanhos,
sem temperatura e sem elemento.
Agora tenho madeira quente a
estalar nele. Cabelo de primeira fêmea.
Leio-te fogo e logo o dia branco
irrompe em chamas.
Tudo é consumido no teu substantivo –
fêmea, macho, calendário.
A matéria ateada é uma constelação de astros
em brasa.
Dedos, boca, umbigo, dorso, mênstruo, púbis, flancos.
Língua.
Sinto a laranja na tua respiração.
Aperto-a na palma da mão e
refaço-a na boca. Escorre-me o sumo pelo
queixo, pelos braços, pelo ventre.
Flancos, mênstruo.
O meu útero incendiado, a
urgência menstrual.
E a tua língua a explodir-me
no centro do corpo.
* Herberto Helder, A Faca Não Corta o Fogo
Helena Carvalho, in Revista Cràse nº 1.
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