A partir de agora só vou falar de coisas mínimas
insetos quase ausentes com seus gestos tímidos.
O movimento invisível de um olhar para a ternura
de um pássaro desdobrando a sua asa em contraluz.
O fulgor de um rosto no apressado rumor do lago
na mais desconhecida angústia das palavras caladas.
E daquelas que em surdina dissemos fora de tempo
até há doce cumplicidade das vozes na porta entreaberta.
A mão pálida é um pássaro pousado sobre o cromado
enquanto a chave roda e desfaz o doméstico equívoco.
Depois sobre as pontes ocorre-me uma ilusão de viagem
uma súbita vertigem de que ali venceremos o tempo.
Vou pelo jardim público e escondo-me na fresca penumbra
circulo cego de cores guiado pelo solfejo das folhas e aromas.
Descortino entre caos o golpe de mestre do carteirista
e a sua dramática desolação perante o vazio do porta moedas.
Emociona-me a mulher com seu pé descalço e sapato na mão
de tacão alto sob a armadilha da calçada portuguesa tão frágil.
Não imaginam como me dói o Corneto derramado da criança
a profunda tristeza do seu olhar deixa-me o coração gelado.
Vou pelas ruas desertas e esmolas no rés de chão do fim das vidas
sorrio aos olhos enrugados de esperas por amores e gatos e gaiolas.
Enfim fico em êxtase no encontro com a imagem de um grão de areia
ali anónimo e indiferente à convulsão que provoca na engrenagem.
Os turistas da grande solidão disparam a tudo quanto mexe ou fica quieto
na grande guerra de roubar e levar para casa toda a beleza do mundo.
Lisboa, 22 de Setembro de 2013
Carlos Vieira