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domingo, 22 de setembro de 2013

Analepse para pequenas coisas






A partir de agora só vou falar de coisas mínimas

insetos quase ausentes com seus gestos tímidos.


O movimento invisível de um olhar para a ternura

de um pássaro desdobrando a sua asa em contraluz.


O fulgor de um rosto no apressado rumor do lago

na mais desconhecida angústia das palavras caladas.


E daquelas que em surdina dissemos fora de tempo

até há doce cumplicidade das vozes na porta entreaberta.


A mão pálida é um pássaro pousado sobre o cromado

enquanto a chave roda e desfaz o doméstico equívoco.


Depois sobre as pontes ocorre-me uma ilusão de viagem

uma súbita vertigem de que ali venceremos o tempo.


Vou pelo jardim público e escondo-me na fresca penumbra

circulo cego de cores guiado pelo solfejo das folhas e aromas.


Descortino entre caos o golpe de mestre do carteirista

e a sua dramática desolação perante o vazio do porta moedas.


Emociona-me a mulher com seu pé descalço e sapato na mão

de tacão alto sob a armadilha da calçada portuguesa tão frágil.


Não imaginam como me dói o Corneto derramado da criança

a profunda tristeza do seu olhar deixa-me o coração gelado.


Vou pelas ruas desertas e esmolas no rés de chão do fim das vidas

sorrio aos olhos enrugados de esperas por amores e gatos e gaiolas.


Enfim fico em êxtase no encontro com a imagem de um grão de areia

ali anónimo e indiferente à convulsão que provoca na engrenagem.


Os turistas da grande solidão disparam a tudo quanto mexe ou fica quieto

na grande guerra de roubar e levar para casa toda a beleza do mundo.


Lisboa, 22 de Setembro de 2013

Carlos Vieira