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terça-feira, 3 de setembro de 2013

Malaca, terra do homem desterrado

"Nem tu menos fugir poderás deste,
Posto que rica e posto que assentada
Lá no grémio da Aurora, onde naceste,
Opulenta Malaca nomeada.
As setas venenosas que fizeste,
Os crises com que já te vejo armada,
Malaios namorados, Jaus valentes,
Todos farás ao Luso obedientes."

Luís Vaz de Camões (1524-1580)
Os Lusíadas, X, 44.

Malaca, terra do homem desterrado

Não sei qual o mecanismo psicológico que por vezes me deporta para estes longínquos lugares, situada à entrada do estreito do mesmo nome, o que é certo, é que é recorrente depois de navegar num Índico pensamento, fundear nesta terra, onde outrora, os nossos mais rapaces antepassados, ocuparam sem mais delongas o aprazível porto.
Dizia o cronista João de Barros, que este nome significaria em língua aborígene “homem desterrado”, esse atributo faz um secreto sentido com o facto, de frequentemente, o revisitar, tendo-se tornado adereço do meu imaginário, pois sou um pouco dado, vá-se lá saber porquê, a refúgios para me reencontrar e a crises de sociabilidade.
Vejo-me a entrar pela “Famosa”, cozido aos torneados manuelinos do monumento, o que não seria difícil considerando o meu perfil de faquir indiano, de seguida irei escapulir-me para um qualquer mercado oriental em busca de especiarias, rostos e corpos e sorrisos espreitando entre sedas e cobres e o silêncio de respiração suspensa que antecede a dança do ventre.
Naquele sorvedouro de cores, em que associo aromas, consigo varrer para um esconso, a parafernália das preocupações ocidentais, essa masmorra de responsabilidades, onde agonizamos nas inúmeras penas perpétuas, da burocracia, do dia-a-dia.
Embevecido olho as conchas exóticas Cypraeas que se amontam num pano colorido, os olhos orientais reluzindo como contas, por debaixo do turbante do vendedor, perscrutam a minha ignorância ou cruzam a minha astúcia.
Um renque de palmeiras apenas dão ênfase ao meu exílio, o mar está por ali atravessado de azul-turquesa, alguns navios de cabotagem arquejando aproximam-se, enquanto escamoteiam contrabando no cavername, preparam as licenças, afivelam sorrisos, escondem punhais, sempre temerosos dos caprichos do sultão.
Eu sou uma aranha que no soslaio da enxárcia, procuro vantagem sobre os que se perfilam no cais, sobretudo daqueles que como eu, desconhecem por que se encontram ali, o porquê de depois de tanto nos habituarmos à ficção, mesmo sem nos ausentarmos de casa uma milha, nunca saímos do porto, acreditando que já estamos em viagem.

Lisboa, 3 de Setembro de 2013
Carlos Vieira


                                                            Desenhado por Francis Valentijn em 1726