Na janela
um homem de cabelo grisalho
a barba tem dias
os óculos
quase lhe caem da cana do nariz
como se tivesse feito um intervalo na leitura
ou adormecido
-Terá morrido?
dado o dia e a hora
deve estar reformado
retirou-se
fugiu
- Já não conta!
sem pestanejar
olhava para a rua
como quem olha
para a corrente de um rio
demasiado forte
onde já não pertencia
- Não adianta!
nem um aceno ou um trejeito
tem os vidros fechados
não vá apanhar alguma pneumonia
- A partir de uma certa idade
um homem tem que se resguardar!
nesse olhar
por vezes baço
quase espelhado
é a multidão anónima que passa
- Já não reconheço ninguém!
deve ser esse sopro ténue de vida
e de solidão
que o deixa amarrado
àquela cadeira de palhinha
naquela tarde
faltar-lhe-ão as forças
e a verdade
é que a vontade
também já parece
não ser muita
à janela
um homem de cabelo grisalho
a barba tem dias
morreu
mal sentado
a espreitar a vida
de onde se escondeu da morte
Lisboa, 14 de Março de 2014
Carlos Vieira
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