sexta-feira, 14 de março de 2014

À espreita


Na janela
um homem de cabelo grisalho
a barba tem dias

os óculos 
quase lhe caem da cana do nariz
como se tivesse feito um intervalo na leitura
ou adormecido
-Terá morrido?

dado o dia e a hora 
deve estar reformado
retirou-se
fugiu
- Já não conta!

sem pestanejar
olhava para a rua 
como quem olha 
para a corrente de um rio
demasiado forte
onde já não pertencia
- Não adianta!

nem um aceno ou um trejeito
tem os vidros fechados 
não vá apanhar alguma pneumonia
- A partir de uma certa idade
um homem tem que se resguardar!

nesse olhar 
por vezes baço
quase espelhado
é a multidão anónima que passa
- Já não reconheço ninguém!

deve ser esse sopro ténue de vida 
e de solidão 
que o deixa amarrado
àquela cadeira de palhinha
naquela tarde 

faltar-lhe-ão as forças 
e a verdade
é que a vontade
também já parece
não ser muita

à janela
um homem de cabelo grisalho
a barba tem dias
morreu 
mal sentado
a espreitar a vida
de onde se escondeu da morte


Lisboa, 14 de Março de 2014
Carlos Vieira


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