entrou na sua vida
por debaixo
da porta dos fundos
escutava-se
o restolhar
dos pés de água
na madrugada
que foi em silêncio
conquista da maré
o seu barco lento
foi fundear
na respiração
ofegante
dos lábios dela
no espelho
da cómoda
por vezes
surgia um clarão
o deslumbramento
puro
dos seus ombros
nus
a insaciável
viagem
ao encontro
das estrelas
que iriam
soçobrar
mais tarde
no seu colo
depois
ergueu-se
da lama
e dos limos
as suas unhas
rasgaram-lhe
o peito
numa voracidade
de fúria e fogo
e de foz
amaram-se
sem pudor
assinalaram
em hieróglifos
de sangue
os limites
perderam
a gravidade
tornaram-se
ingovernáveis
renderam-se
por fim
à inevitável
condição
de não terem
saída
e sobreviverem
com aquilo
que sobejava
da vida
lá fora
agora
apenas
esse rumor
de mar
que lhe deixou
na boca
a sede
e o sabor a sal
da sua pele
a memória
dos recifes
e do início
da fome
Lisboa, 7 de Março de 2014
Carlos Vieira
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