sexta-feira, 7 de março de 2014

Saboreamar

entrou na sua vida
por debaixo
da porta dos fundos
escutava-se
o restolhar 
dos pés de água
na madrugada
que foi em silêncio
conquista da maré

o seu barco lento
foi fundear
na respiração 
ofegante 
dos lábios dela

no espelho 
da cómoda
por vezes 
surgia um clarão
o deslumbramento
puro
dos seus ombros 
nus

a insaciável 
viagem
ao encontro 
das estrelas
que iriam
soçobrar
mais tarde 
no seu colo

depois 
ergueu-se
da lama
e dos limos
as suas unhas
rasgaram-lhe
o peito
numa voracidade
de fúria e fogo 
e de foz

amaram-se 
sem pudor
assinalaram
em hieróglifos
de sangue 
os limites
perderam
a gravidade
tornaram-se 
ingovernáveis

renderam-se
por fim
à inevitável 
condição
de não terem 
saída
e sobreviverem
com aquilo
que sobejava
da vida 
lá fora

agora 
apenas
esse rumor 
de mar
que lhe deixou
na boca
a sede
e o sabor a sal
da sua pele
a memória
dos recifes
e do início
da fome

Lisboa, 7 de Março de 2014

Carlos Vieira

Sem comentários:

Enviar um comentário