domingo, 16 de março de 2014

Contra o silêncio

Contra o silêncio

I
Escreve
lança palavras 
e mais palavras
à terra 
ao mar
ao vento
até esqueceres 
a língua materna
e voltares a ser
um animal
a uivar
sem cessar.

II
Usa
a caneta
como um escopro
que faz soltar
lascas e chispas e lascas
das pedras caladas
até ganharem alma
solidária
e serem no mundo
esquinas 
de revolta
de vento a assobiar.

III
No labirinto 
de um país
encontras portas 
para o abismo 
e saídas 
para o nada
sem futuro
onde se já
foi feliz e tudo
agora cresces
outra vez
com medo 
solta o verbo e diz
nem que fiques
a falar
sozinho.

IV
Um mar de chumbo
e nenhum navio 
ou rastos na praia 
uma vida inteira
a contar 
grãos de areia
e a seguir
as tangentes dos voos
das gaivotas
a crocitar
naufrágios
e tempestades
canta canta sempre
nem que sejas
um humano
e que sejam apenas
cantos de sereia.

V
A casa
a trinta metros da altura 
da vida
é um ataúde
de três assoalhadas
e uma hipoteca
no sétimo andar
da solidão
e do desespero
mas sai
vais em pé 
no elevador
para debaixo do chão
resiste
não te deixes
enterrar vivo
carrega no alarme
e grita grita grita
reclama
tudo que te cabe
no coração.

VI
No céu 
nem uma nuvem 
ou astros
ou uma ave
dali agora 
não esperes nada
nem o relampejar
ou o troar
de uma ideia
ou gesto 
de misericórdia
tu és o trovão
e um raio na terra
pássaro estridente
astro de fogo
herói 
soerguendo-se
do vazio.

Lisboa, 16 de Março de 2014
Carlos Vieira





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