domingo, 30 de março de 2014

Quase poemas de gente

quase poemas de gente

nómada
o sábio dos caminhos 
e das bermas
dos despejos 
sem habitação fixa

sem-abrigo
que não tem habitação
sábio de fissuras 
de pontes 
e caixas de papelão

desempregado
de longa duração
sábio do vazio
da solidão 
e dos tempos 
quase sempre mortos
que perde o pé 
e vai perdendo a mão

jovem à procura 
do primeiro emprego
sábio do nada 
e do vale tudo
e que trabalha 
de borla 
para ganhar
experiência
e ser competitivo
mais um herói
à procura

a mãe solteira
tem extraordinária 
dificuldade
em deixar o filho 
para ir trabalhar 
e em arranjar trabalho 
porque tem um filho
sábia do amor 
das pequenas coisas
e de curta duração

doente terminal
sábio dos cuidados paliativos
e da sua ausência
e de querer que a morte 
venha depressa
sobrevivem na esperança 
de não morrer
como um cão
e dar menos trabalho 
e menos despesa

velho do interior
sábio da desertificação 
sem crianças 
é um facto 
que só dão trabalho
porque não podemos 
ter tudo
em todo o lado
e o interior também 
não faz falta nenhuma
e sempre se pode tirar 
qualquer coisa da terra.


Lisboa, 30 de Março de 2014
Carlos Vieira

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