quase poemas de gente
nómada
o sábio dos caminhos
e das bermas
dos despejos
sem habitação fixa
sem-abrigo
que não tem habitação
sábio de fissuras
de pontes
e caixas de papelão
desempregado
de longa duração
sábio do vazio
da solidão
e dos tempos
quase sempre mortos
que perde o pé
e vai perdendo a mão
jovem à procura
do primeiro emprego
sábio do nada
e do vale tudo
e que trabalha
de borla
para ganhar
experiência
e ser competitivo
mais um herói
à procura
a mãe solteira
tem extraordinária
dificuldade
em deixar o filho
para ir trabalhar
e em arranjar trabalho
porque tem um filho
sábia do amor
das pequenas coisas
e de curta duração
doente terminal
sábio dos cuidados paliativos
e da sua ausência
e de querer que a morte
venha depressa
sobrevivem na esperança
de não morrer
como um cão
e dar menos trabalho
e menos despesa
velho do interior
sábio da desertificação
sem crianças
é um facto
que só dão trabalho
porque não podemos
ter tudo
em todo o lado
e o interior também
não faz falta nenhuma
e sempre se pode tirar
qualquer coisa da terra.
Lisboa, 30 de Março de 2014
Carlos Vieira
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