Quem te manda sapateiro não tocar rabecão
Podia chamar-lhe Dionísio
por força das reminisciências afectivas
e do elixir da boa vida
era um destes sapateiros
de agora e de ontem
que pedalam no esmeril
e tiram olhos com uma sovela
e vivem na penumbra
de uma cave esconsa
onde a luz e o calor do sol
teimavam em entrar.
Ele ali esbracejava como um deus
com os sapatos enfiados nas mãos
como se se preparasse
para de novo subir aos céus.
Ali o cheiro das colas e das tintas
tem algo de alucinógéneo
de drogas leves
temperado a espaços
pelo aroma de animal terreno
dos cabedais e das solas
e do chulé.
Dionísio foi-me explicando
que aqueles sapatos tão confortáveis
que lhe levara
já não valiam meias solas
enquanto pelo rabo do olho
não observava somente
os sapatos agulha
que expectante
lhe apontava uma senhora.
Quando emergi
e apanhei uma lufada de ar fresco
apeteceu-me música erudita
alaúde ou rabecão
uma qualquer ária dedicada a Dionísio
um amante de sapatos
e de histórias
que vou procurando palmilhar
levando sempre
os mesmos sapatos
para o concerto
digo para o conserto.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira
O Sapateiro de Brodowski de Cândido Portinari
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