- Queria um café!
- Normal.
- Sim, normal.
Não dirigiu naquele dia a palavra a mais ninguém.
Não consegue passar sem aquele cafezinho matinal e aqueles dois dedos de conversa sem açúcar.
A verdade é que nunca foi uma mulher de muitas palavras e naquele estabelecimento encontrou o empregado perfeito. Aquele que não se mete na vida de ninguém, não pretende fazer conversa. A verdade é que detesta café frio ou acompanhado de amabilidade.
O café chegou a fumegar ali ou canto do balcão, onde sempre se senta, num daqueles bancos altos que tem a medida certa, à sua altura, nunca gostou de ficar empoleirada mas também não gosta de ficar atarracada, numa cadeira muito baixa.
Pega na chávena e aquece nelas as mãos, depois leva-a aos lábios e há um momento em que um cedro, do outro lado da rua, a intercepta, personificando um silêncio vertical.
O café está como sempre na temperatura certa, o mesmo lote, fecha os olhos por um momento, bebe mais um trago, o líquido castanho acende-lhe alma.
Da carteira retira as duas moedas habituais e entrega-as sempre, na palma da mão do empregado que lha estende, solícito, como se a estivesse a cumprimentar, em oração, sem olhar para o dinheiro, olha-a como se a despisse, meticulosamente.
Apressa-se então e quase foge em direção à rua. Sem nunca o admitir, é dos poucos momentos em que se sente, verdadeiramente, em perigo, aquele incidente diário, de frações de segundo.
Interroga-se e confessa temer, o que será da sua vida, se um dia, nesse ritual da manhã do café, lhe faltar aquele olhar.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira
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