Tenho
uma especial
simpatia
pelo efémero
que se vislumbra
num breve pestanejar
no imperceptível
espreguiçar
das asas dos insectos
no rumor
da água que sobe
da raíz até ao caule
no toque da pele
nos contornos da noite
de insónia
nas inúmeras
pequenas estupefações
de abertura
das portas e janelas
no perfume
de tinta e das palavras
permanentes
nas cartas antigas
guardadas
nas caixas dos sapatos
da saudade
na sinfonia das ondas
numa noite sem estrelas
e pés descalços no areal
de lembrar-se de um amor
se uma mão pousa
no ombro
desconhecendo
que se tratava
de uma despedida
definitiva
daquele vestido
de um único Verão
que na memória
durante tantos anos
se colou ao seu corpo
da primeira vez
que dançou contigo
um slow
sem se dirigirem
uma palavra
e seus corpos possuídos
sem se tocar
naquela noite
dizerem quase tudo
dos cabelos ao vento
do calor dos teus seios
nas suas costas
e deitados
eles e a mota
na curva fechada
cercados do perfume da resina
e dos pinheiros
a caminho de S. Pedro Moel
vestígios desse inútil privilégio
de poder subir as árvores de calções
e comer todas as cerejas
e as tangerinas
perante o olhar
condescendente dos avôs
da alegria da aventura dos rios
entre canaviais
sempre a correr
sem tempo e sem sossego
e sobretudo poder amar
o subtil momento das aves
dos seus cantos e assombrações
das armadilhas e dos ninhos
e dos bebedouros
na sua imperfeita e desajeitada
dedicação à poesia
impaciente ornitologia
das almas.
Lisboa, 18 de Maio de 2014
Carlos Vieira
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