domingo, 4 de maio de 2014

A natureza morta do inviolável envelope


A carta
jaz neste domingo
em cima do tampo
um pingo de lacre
no vértice da aba
desfaz o branco
imaculado
daquele selado
rectângulo
num silêncio de cela
a luz incide
sobre ela
e quase a faz pairar
pergunto-me
se viverá um pássaro
lá dentro?
dali parece vir um rumor
longínquo
o tremor de uma voz
cá fora
não há sombra
de remetente
um aroma
a tinta permanente
ainda persiste
sobre
a mesa a reluzir
contra o vazio 
das mãos
em luta 
contra o destino 
aquele envelope 
por abrir
é o único objeto
que resiste
e me é vagamente
familiar
na casa devoluta.

Lisboa, 4 de Abril de 2014
Carlos Vieira


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