Na ruína, de paredes eram meia dúzia, resistem ainda duas janelas, dois olhos vazos que nos expõem o interior da casa. Destelhada, continuam de pé uma daquelas portas em duas folhas e com bandeira, de tinta ressequida, de um verde velho a descascar.
As maçanetas ainda ninguém as levou, pode algum desgraçado, procurar abrigo, bater à porta, ela dará resposta, escutando-se do lado de dentro um vento familiar, sem se aperceber que se encontrava ouvir a si mesmo, numa noite de ventos uivantes, depois pode ali repousar e descansar "os ossos", a céu quase aberto.
Percorrida a habitação apenas uma arca de pinho, a apodrecer a um canto, daquelas antigas, onde se guardava a ervilha, o feijão e outros legumes.
Cresciam uns tufos de ervas, aqui e ali esventrando o soalho. Das paredes de caliço esbranquiçado, trechos de ferrugem lacrimosa, escorriam de cima das parede de adobe ou das frestas que foram fazendo a sua assinatura.
Percebia-se a lareira, não restava, um aroma da comida ali cozinhada, nem um ronronar de histórias para adormecer ou para nos manter acordados, uma ladainha de preces, memórias de fomes e farturas.
Ali estava um despojo de navio vagamente familiar, no baldio abandonado, a vaguear nas suas quatro assoalhadas, desaparecido na guerra ou num colapso do terramoto.
Eis pois, perante vós, a imagem daquilo que resta de um lar que se desfez, da desertificação de um país que o fluxo migratório e o magnetismo das cidades acentuou.
Estas são algumas das explicações que temos mais à mão, para aquela ruína, tão válidas como outras quaisquer.
Porém, reconstituir os lugares, esses anónimos territórios, estes ninhos de amor perdidos no tempo, ainda nos aquece, nestes dias frios, do fim de Maio.
Lisboa, 21 de Maio de 2014
Carlos Vieira