sexta-feira, 4 de abril de 2014

Incidente de trânsito I

Páro no semáforo
sorrio
sinceramente
encantado
pela reminiscência
que na desconhecida
havia de ti
ali na faixa da esquerda
um passado
não muito distante
entre mim e ti
dois riscos descontínuos
dois vidros fechados
o lugar do morto
uns pingos de chuva
consegui vislumbrar
pelos cantos dos olhos
que sorrias também
e havia um riso interior
e depois
depois foi a troca 
do número de apólices
o preenchimento 
da declaração amigável
e a discussão serena
de argumentos de quem
era a responsabilidade
pelo sinistro
tinha seguro contra 
todos os riscos 
menos contra a memória 
do seu suave perfume
e as letras
que na sua escrita nervosa
perpassam.

Lisboa, 4 de Abril de 2014


Carlos Vieira

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