Casa do mundo III
fui ver o mar
ainda azul
de tanto
murmurar
mais uma vez
não se traduz
o que diz
apesar da luz
na verdade
era um monólogo
de espuma
não sei
se eram os versos
que morriam na praia
ou eram as ondas?
ficou da poesia
uma mão cheia
de onde escorria
areia
a outra
de coisa nenhuma
o mesmo
vazio
da melopeia
de um búzio
de vidas
escondidas
fui ao campo
o coração
era uma couve flor
as emoções
vegetavam de verde
e creme
em borbotão
o tempo corria
a passo de caracol
a acompanhá-lo
o coaxar da rã
no pântano
percorri a cidade
e enfrentei
o mesmo nada
o bolor
fumos
de todos
os escapes
e o lixo nauseabundo
nos becos
restos de fome
de desamor
na sombra do jardim
não sei se o tráfego
passa por mim
se eu por ele
aquele é o ruído
e a dor
que nos habituámos
a viver
nas esquinas
dos gavetos
vultos vagos
efémeros protestos
na verdade
hoje não saí
de mim
nem de casa
hoje abri portas
e janelas
e assim o mar
o campo
e a cidade
puderam-me visitar
perante
a raiva e o medo
e a impotência
e a insónia
vieram todos dormir
na minha cama
e fizémos uma orgia
de poesia
Lisboa, 6 de Abril de 2014
Carlos Vieira
"Garrett Room" de Andrew Wyeth
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