domingo, 6 de abril de 2014

Casa do mundo III

Casa do mundo III

fui ver o mar
ainda azul
de tanto
murmurar

mais uma vez
não se traduz
o que diz
apesar da luz

na verdade
era um monólogo
de espuma

não sei 
se eram os versos 
que morriam na praia
ou eram as ondas?

ficou da poesia
uma mão cheia
de onde escorria
areia
a outra 
de coisa nenhuma

o mesmo
vazio
da melopeia
de um búzio
de vidas
escondidas

fui ao campo
o coração 
era uma couve flor

as emoções 
vegetavam de verde
e creme
em borbotão

o tempo corria 
a passo de caracol
a acompanhá-lo
o coaxar da rã 
no pântano

percorri a cidade
e enfrentei 
o mesmo nada

o bolor 
fumos 
de todos
os escapes
e o lixo nauseabundo
nos becos 

restos de fome
de desamor 
na sombra do jardim

não sei se o tráfego 
passa por mim
se eu por ele

aquele é o ruído 
e a dor
que nos habituámos 
a viver

nas esquinas
dos gavetos
vultos vagos
efémeros protestos

na verdade 
hoje não saí
de mim
nem de casa

hoje abri portas
e janelas
e assim o mar 
o campo
e a cidade
puderam-me visitar

perante 
a raiva e o medo
e a impotência
e a insónia
vieram todos dormir
na minha cama
e fizémos uma orgia
de poesia

Lisboa,  6 de Abril de 2014
Carlos Vieira


"Garrett Room" de Andrew Wyeth

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