senta-se no chão
ali naquela rua do Poço do Bispo
esfrega bem os olhos
limpa a única lágrima
que lhe escapou
tem nas mãos um papel
esborratado
é para o fundo de desemprego
ainda tem coração
foi sempre um homem de coragem
de desafios
-compreendo, sim! é a crise!
a inexistência de encomendas
os produtos descontinuados
- obrigado pelas palavras!
- o sr. foi um empregado modelo!
só os cobardes é que desistem
não é surdo ou mudo
possui agora toda aquela rua
e todas as outras da Nação
- compreendo, sim!
as economias emergentes!
apesar de tudo pensas
na falta de competividade
aos cinquenta e cinco anos
tens casa para pagar e família
foste despedido e ainda sonhas
eis uma bela oportunidade
para mudar de vida
para pensar no futuro
de poder conhecer outro país
é como se tivesses
agora chegado ao mundo
- compreendes, sim!
a bolha imobiliária!
o Lehman Brothers!
a divída pública!
e ainda ter duas mãos
para esconder "as vergonhas"
senta-se no chão
de uma rua do Poço do Bispo
e esfrega bem os olhos
à vergonha de não poder trabalhar
junta-se a culpa de não ter que comer
que belo serviço foi arranjar
neste ocaso da vida
tem de haver alternativa
à luz do comboio
ao fundo do túnel
Lisboa, 19 de Abril de 2014
Carlos Vieira
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