quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Memórias de Afrodite



Parece que te estou a ver
na tua frescura erecta
surpreendente na sua entrega 
tempestuosa e vertical
depois mesmo quando
te descalçavas
sobre a terra negra
ias articulando
o teu gesto pausado
e natural
numa desenvoltura elegante
no meio da horta
como quem vai acalmar o mar
e ascender aos céus
na curva da tua cintura 
sobre os canteiros
de plantas aromáticas
adivinha-se a distância tensa
e ansiosa dos animais
um aroma que se confundia
com a resina dos pinhais
e para as aves da manhã 
tu eras a hora marcada
para regressarem
de novo à vida
podiam rever-te a sorrir
enquanto o ramo de hortelã
te aflorava das mãos 
tão lúcidas
e cheias de tudo e de nada
acesas 
de uma brancura insólita
momento de sofreguidão
em que de si
se esquecia
e se te vislumbrava
a vigiar a ternura das vagens
e a admirar os frutos
ou se olhavas para o céu
era porque 
no teu silêncio
germinava mansa sede
nos campos
em adoração
levantava-se 
o murmúrio do desejo
e o rumor de uma oração à chuva.

Lisboa, 11 de Setembro de 2014
Carlos Vieira



 “Aphrodite” by William-Adolphe Bouguereau

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