quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Há margem



Fui pelo cais adiante
em busca de um outro final
um pouco menos decadente
em Vila Real de Santo António
ia vagueando contra o vento
contra corrente
e todo o rio Guadiana
ali acolá o marulhar dos barcos a remos
há séculos
estacionados em espinha
sobrevivem
de cores desbotadas
e madeira corroída
as gaivotas
mantinham-se à horas
imperturbáveis de sentinela
a este fim de Inverno
sem aderirem à dança das marés
instala-se
um cheiro intenso a peixe assado
percebia-se ter origem
nos barracões em ruínas
do outro lado Ayamonte
o declinar de um sol envergonhado
a que sucedeu
um chumbo de céu
os meteorologistas dividem-se
entre estarmos
neste dia de fim do Verão
ou no princípio do Outono
ali ao lado erguem-se
surreais esqueletos
de barracas
e no ar o lixo dos plásticos
de um final da feira
há um rumor de tempo
a esgotar-se
que acelerou
inapelavelmente
com o fim das fronteira.

Vila Real de St.º António, 17 de Setembro de 2014
Carlos Vieira

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