sábado, 25 de janeiro de 2014

Seria primeiro...


Seria primeiro podridão fétida, depois uma pasta pegajosa, no fim uma poeira que se não distinguiria do outro pó. Aquilo por que éramos, sentíamos, conhecíamos, existíamos, nos podíamos tornar um corpo triunfante, acabava connosco, não nos sobrevivia: apenas durava mais o cabide daquilo, sem que sequer pudesse aguentar-se em pé. Revi o esqueleto que havia no liceu, pendurado numa haste de ferro, como um enforcado, e com os ossos presos uns aos outros por araminhos. E a vida era isso: a duração daquele conjunto de carne, pela qual a nossa consciência, as nossas faculdades, o nosso «eu» existia.

Sinais de Fogo, Jorge de Sena 

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