sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Sala de Urgências



sala de espera
das urgências do hospital
5h da manhã uns com cara de caso
outros com caso

os doentes e os acompanhantes
aparentemente
não se distinguem
só com olho clínico

distingo os médicos
por carregarem ao pescoço
o poder de nos escutar
o coração

agora
o pessoal já não
anda todos de branco
mas ainda tem
aqueles gestos de anjos com sexo
o que me agrada

não chegou
nenhuma ambulância histérica
sobretudo com este frio
não dá jeito nenhum 
estar doente ou ter acidentes

passou uma enfermeira
sorridente e com a segurança
de barco que atravessa todas as tormentas
os doentes não tem outro remédio 
de que se lhe entregar
"Não, não estou eu que estou doente, 
é a minha mulher!"

sempre tive 
alguma admiração pelas macas
carrinhos de esferas onde se anda deitado
até que parti uma perna 
e esfumou-se o sonho 
em 5h de pesadelo
a 5 palmos do centro de gravidade

já devia ter o brevet 
das urgências
inscrição, triagem, médicos estremunhados,
exames complementares de diagnóstico
sonos e sonhos perdidos

fico anestesiado
só do cheiro a medicamentos
e pela iluminação etérea
viajamos nos corredores estreitos
como dentro de nuvens cirroestratrus
e o céu já ali

deixei o hospital
e fica-me aquela sensação longínqua
dos rostos dos médicos, 
dos quase médicos
dos paramédicos 
a desvanecerem-se
"Está com outro ar! 
Está com outro ar!"
eu que sofro de asma 
e que sou apenas 
o acompanhante 
de um familiar


Lisboa, 24 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira




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