segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Palavras para que vos querem



as palavras erguem-se 
pesadas
sobre o ruído mecânico 
das ruas
reconheço-as
pela acústica vibrante 
das suas asas
pousadas nos candeeiros 
à espera da luz, 
nos sinais de trânsito 
de mão estendida 
nos semáforos, 
palavras bichos 
que sobem pelas árvores
pelas varandas 
e pelas esplanadas,
apertadas 
em escadas antigas 
mal iluminadas,
cuspidas 
com sangue 
e vómito e imprecações
mal amadas,
curtas
atingidas por punhos 
e bofetadas
em murmúrios de misérias 
envergonhadas 
ou em gritos violentos 
de amores reencontrados,
suburbanas
atiradas 
como quem rosna
e roubadas
à tristeza,
palavras de alivío
de desencanto, 
libertas 
das garras do silêncio,
esquecidas 
em grutas
pedras preciosas 
nunca usadas,
palavras de usar
e deitar fora
fora de horas,
penduradas 
de andaime em andaime,
em roldanas 
retiradas de poços,
do eco dos claustros,
palavras arrancadas 
de dentro de si próprio 
para serem flores 
ensanguentadas, 
provas de um amor 
que não se soube dizer
presas à garganta,
aves 
que lhe devoram
o peito, 
palavras gravadas 
a ferro e fogo,
nos corredores do tempo
de silêncio
da descoberta,
incineradas,
cujas cinzas 
não conheceram ventos,
caladas para lá 
dos portões da vergonha,
onde o trabalho liberta.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

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