plataforma logística
escrever um
poema como se trabalhasse
numa plataforma
as gruas a estenderem os seus
grandes braços de um amor excessivo
os estivadores de fatos de macaco azul
mantidos a alguma distância
nada de sermos contaminados pelo trabalho
depositamos os contentores
como se fossem estrofes sobrepostas
e olhamos para eles brancos, azuis e amarelo torrado
carregados de substância
prenhes de distância
a tresandarem do nosso enorme ego
depois com as luvas e as máscaras
e botas cardadas introduzimos-nos na realidade
sentimos o seu cheiro nauseabundo
vamos acompanhar os técnicos
na verificaçao de alguns poemas
que não cumprem as cerificações
se estão dentro do prazo de validade
sobretudo aqueles
que são feitos com produtos perecíveis
o amor, a solidão, a infância
não aguentam muito
a seguir com o monta cargas
em silêncio desviamos paletes
de versos que se vendem com mais facilidade
no mercado paralelo
gosto deste movimento das palavras
menos escolhidas
de português vernáculo
e da poesia
a cheirar óleo queimado e peixe podre
a um gesto sucinto
de amor sem abrigo
que coincide com madrugada
que irrompe entre os silos e a maré vazia
e a última ronda da noite
Lisboa, 26 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira