sexta-feira, 5 de outubro de 2012

HILOTAS



Hoje à tarde, andava pelo dicionário, como quem percorre as ruas de uma qualquer cidade desconhecida.
Gosto de ir de palavra em palavra, de conhecer-lhe os ângulos, os pormenores, a pátina das cores, a articulada sombra dos sorrisos e de música sonhada.
Depois de umas folhas, tropecei nesse remoto adjectivo, hilota, lembrei-me das conchas que apanhei numa longínqua e ignara praia do hem...
isfério sul, dos homens que transformam as pedras em casas e conhecem das nuvens e das aves apenas os sinais
Já tinham deixado, hirta, essa flor, essa palavra transida, ensimesmada, que se ergue nas paradas e nos exércitos, e que, em definitivo, molda o corpo dos jovens e dos mais velhos, preenchendo os hiatos das trincheiras.
Até que, finalmente, me deparei com os hilotas, de todos os países e tempos, que cada vez mais se iam concentrando na ancestral praça solar, praia, praça feita de sal e espuma, onde acorrem as ondas, as hordas dos vencedores das trevas e do medo.
Foi assim, que regressando neste Outono à praia de que são ignaros os bens falantes e os bens posicionados, a revi juncada do rumor de conchas, coalhada de ideias e do marulhar dos gritos dos cadáveres hirtos, dos nunca heróis.
Pressentia os hilotas cozidos à linha de água, de cabelos húmidos da maresia, observavam o movimento da linha do horizonte e certamente pescariam na distância o próximo futuro, o fruto maduro da liberdade que lhe permitirá, tomar o pulso de uma alegria perene, no percurso pelas palavras do coração onde hiberna o dicionário.

Lisboa, 5 de Outubro de 2012
Carlos Vieira

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