Não saí de casa
e já anoitece
à volta da auréola
do candeeiro da rua
deixou de haver
uma legião de mosquitos
e isso pode querer dizer
alguma coisa
no silêncio
da casa
de onde não saí
pode-se escutar
o ranger subtil
das páginas
de um romance
que desfolho
ou um clamor
das vozes da ficção
na sua nocturna
vida de tinta
enquanto tal
ondas de faróis
ciclicamente
vão golpeando
a noite
de todos
quantos habitam
esta rua
a lembrar holofotes
em campos
de concentração
para lá das cortinas
e das persianas
das gaiolas
das cozinhas
as pessoas
à minha frente
pisam-se
literalmente
umas por cima das outras
e vice-versa
vagueiam lentas sombras
domésticos dramas
há dois gatos
indiferentes
à janela
um terceiro
no sofá sentado
vê televisão
tudo tão
previsível
como se fosse
ainda a preto
e branco
vou sair agora
porque à noite
todos os gatos
são pardos.
Lisboa, 2 de Novembro de 2014
Carlos Vieira
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