De um recanto
abarco agora todo o aposento
teu corpo
que arde em lume brando
sobre o sofá
teu olhar liquído
e tuas mão lívidas
que aqueces
na chávena de chá
já vivi suspenso num abat-jour
a derramar a luz
sobre os teus pés
e na áurea melancólica
da tv ligada
de onde escorre uma ladainha
que tu não ouves
nem vês
já me debrucei
sobre o abismo
dos quadros dependurados
tão profundamente abstractos
na solidão dos teus porquês
já habitei por dentro
do preto e vermelho
alimentando-me
dos vagos mistérios
que guardas num móvel chinês
já esperei pelas tuas mãos
naquele centro de mesa africano
e pelos teus lábios
a beijarem
a fruta fresca dos arrabaldes
e o poema pode ser a teia
que será uma luminosa compilação
dos teus pequenos gestos
domésticos.
Lisboa, 23 de Novembro de 2014
Carlos Vieira
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