As fitas brancas a dizer polícia, em azul, delimitavam uma
parte do passeio e da avenida, elegiam um jardim improvável, a irromper no meio
do asfalto. À volta do cenário, pirilampos azuis e vermelhos, os focos de
algumas lanternas, ocupavam-se dos diferentes ângulos da ocorrência, de
iluminar as diferentes versões e objectos.
Havia um sorumbático candeeiro a uns dez metros do local do
crime, não se tratava de um acidente como muitos acreditavam, um atropelamento
com fuga, quanto muito. Ali e acolá néones publicitários, lá prosseguiam a sua
estratégia de marketing, indiferentes ao turbilhão de emoções que hoje, teve
ali o epicentro.
Algumas janelas dos prédios contíguos faziam o tal puzzle de
luzes, de intensidade diferenciada, alguns residentes comentavam, de forma mais
ou menos apaixonada, à janela com os vizinhos a completa ignorância do que se
tinha passado, naquele evento noturno, outros permaneciam em silêncio e
aproveitaram para mais um cigarro.
Os peritos forenses, nos seus fatos de anjo vestidos de
branco, procurando ser objetivos dão asas à imaginação, em busca desesperada do
vestígio imaculado e do pecado.
Os investigadores criminais rodopiam, indagam, procuram o
móbil, confrontam, enfrentam a mínima luz, afastando a sua própria escuridão e
morte, perguntam às testemunhas, aos técnicos, aos desconhecidos suspeitos, ao
corpo, feito cadáver. Por momentos, nas palavras daqueles e nos seus gestos, um
pequeno interregno, naquilo que será a solidão eterna.
Entre lágrimas e suspiros os familiares olhavam para o
cadáver, incrédulos, perguntam-se como pode ter morrido, aquele que era uma
pessoa boa, que não fazia mal a uma mosca, assim, desta forma no meio da rua,
sozinho, desconheciam as palavras do poeta “que seja eterno em quanto dure”, a
vida e o amor.
Comenta-se à boca calada que foi alvejado, que se ouviram
dois ou três disparos, pelo que a arma poderia ser um elemento determinante,
para se poder chegar ao autor.
Será que o mesmo não a deixou por ali, dado que agora a
mesma queima, apontando a partir de agora, sempre para a sua responsabilidade
ou será que o autor é um facínora, requintado homicida que tem uma fria relação,
vingando a sua vontade, a utilidade permanente da arma do crime.
Poderia estar por ali, atirada para o seio de alguns
arbustos, alguns metros à frente do local do crime, era necessário realizar
desde já, buscas exaustivas.
Os curiosos foram-se afastando, o corpo foi levado para o
IML, foi saindo de cena quem não era de cena, apenas as viaturas da polícia, as
lanternas como enormes pirilampos foram alargando a área de investigação.
Verificavam esconsos, sargetas, papéis caídos na via
pública. Os flashs das máquinas digitais que foram registando para mais tarde
recordar. Os diversos croquis ultimavam-se, tentando esquematizar a emoção e o
caos que se passaram no lugar do morto.
Foram-se apagando as luzes dos prédios, ouviam-se murmúrios
e sussurros dos investigadores e da vizinhança.
Três tiros, pelo menos, tinham troado e relampejado, que ninguém
ouvira ou vira, ninguém se compromete, igualmente, ninguém conhece a vítima que
vivia há anos, a cerca de cinquenta metros do local.
Por fim, um grito de alegria ergueu-se estranhamente no
adiantado da noite fria, um investigador, apontava para o meio de umas ervas altas,
num campo ali próximo e dizia para os colegas. “ É um 38, é um 38!”
Num snack ali próximo já fechado, o proprietário comentava
com um cliente que aquilo tinha sido um problema de trânsito, entre a vítima e
um peão que se tinha insurgido na passagem da passadeira com um indivíduo que
se deslocava num Audi, cinzento metalizado, o qual tinha tido difícil anuência em
o deixar passar. O indivíduo de meia idade, saiu do carro sem dizer uma palavra,
dirigiu-se ao peão e deu-lhe três tiros a dois metros, quando o mesmo se virou
para ele.
Soube-se mais tarde que o autor era um comerciante que se
dirigia a casa, a explicação que deu para o horrível acto que cometeu foram os
seguintes, o negócio com esta crise estava mau, acabara de ter mais uma
discussão ao telemóvel com sua mulher, por estar sempre a chegar tarde a casa.
Mas o copo de água foi aquele indivíduo que não passou,
passeou pela passadeira, que lhe virou as costas, nem sequer lhe agradeceu,
estava assim a pedir para ir passear para outro mundo.
Lisboa, 1 de novembro de 2014
Carlos Vieira