sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Versos a um amor desconhecido


 

 

Percorreu a espiral

do seu torso

e perdeu-se

para sempre

nunca se saberá

quem foi.

 

Contorna o veludo

da sua pele

entre miragens

e alucinações

e deixou de saber

quem é.

 

À flor dos lábios

inventou um alfabeto

só para eles

nesse labirinto

de emoções

desconhecia-se

o porquê.

 

Entre dentes

o rumor

acutilante das palavras

que murmurou,

até quando?

 

Ficou cego

no arco tenso

das suas pernas

e não sabia morse

ficou para sempre

sequestrado,

entregue a si próprio.

 

A sua alegria

era a dele

o sol de inverno

era dele

as suas lágrimas

eram suas

correram desejadas

não se sabe,

por onde

nem para onde.

 

O sexo sobrevoava

o tempo lento do corpo

era um relógio de água

que dava corda ao pensamento

à raiz do fogo

às crinas do vento,

ninguém sabia

o que faziam ali?

 

Pediam as suas ancas

o rumo estreito

das suas mãos

acalmando as correntes

os espasmos da pélvis

fechavam-se seus olhos

tudo tinha acabado

havia tempo

nenhum dos dois sabia

os termos do armistício.

 

Lisboa, 16 de Novembro de 2012

Carlos Vieira

 

Foto: 14 de Agosto de 1945: Um marinheiro americano beija uma enfermeira para celebrar o fim da II Guerra Mundial. A enfermeira, Edith Shain, morreu em 23 de Junho de 2010, com 91 anos.

 

 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Reconstituição



Um corpo nu e único admirável
amputado de todos os sonhos
e pétalas
e do desassossego das gaivotas.

Nele ainda resvala
o vórtice do canto
o seu perfume reconhecido
a incendiar
ainda a epiderme.

Respira-se a alusão
a um mar de tranquilidade
interrompida
por conchas de espanto
um corpo vencido pelo cansaço
por um sono
de areia e sal.
  
Na praia impressos
os pés descalços
da mulher recém atropelada
pelo real 
pelas ondas que se enrolaram nas pernas
no sexo
de um refluxo apenas vegetal.

Mulher abandonada que o mar beija
em decúbito dorsal
e na rebentação
liberta
e enleia de algas
abusa da fragilidade
e a devolve à terra
.
Sempre este mesmo mar
que tão violenta
e profundamente
nos quer
e nos mata.



Lisboa, 15 de Novembro de 2012
Carlos Vieira


                                          Imagem retirada da Internet de autor desconhecido

2. Jardim de Inverno


 

 

 

como se fosse uma granada

uma explosão de sementes e frutos

 

reinventamos  do nada

a terra de ninguém

 

soerguem-se abandonadas lutos

de viúvas, solteiras e outras mães

de demasiadas filhos mortos

 

a mão na garganta do fumo e do gaz

estrangulando o grito

 

a corola e o pólen do silêncio

e as cinzas das fogueiras

 

os farrapos das nuvens cinzentas

o manto do desespero 

 

despojos do saque

a face da vergonha

 

e a solidão azul do lápis

os números desprezíveis de baixas

das batalhas

 

no arame farpado das trincheiras

escorrem dos mortos e feridos

tão naturalmente

flores vermelhas

 

 

 

Lisboa, 14 de Novembro de 2012

Carlos Vieira

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

1. Jardim de Inverno


como o cálice de um grito
que atravessa um céu de chumbo
na sua haste um sequestrado rio de fogo
um pintor flamengo faz na evidência da tulipa
deflagrar a generosidade do início de um novo mundo
cicuta que desperta a demência que lhe corrói as entranhas

Lisboa, 14 de Novembro de 2012
 Carlos Vieira



         Photo by Rob Galbraith

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Falésia...

Falésia
ou clepsidra
do  pensamento
e última muralha
ou inatingível fronteira
contra um mar de desejos
e um deslumbramento de terra
âncora que germina dentro de nós
esplendor que nos impede de navegar
se dela se vislumbram os confins da bruma
a doce obscuridade e o odor labiríntico da carne
ossos que pedem uma volúpia de aves em pleno voo
barcos e animais inquietos lavrando com a  pedra da tarde
na penumbra do sangue e do tempo um rumo de silêncio e espuma

Lisboa, 12 de Novembro de 2012
Carlos Vieira

                                        “Homem na falésia” por Caspar David Friedrich

domingo, 11 de novembro de 2012

Delírios


 

 

A casa soergue-se agitada

em pânico abandona a rua

abandona-me na rua.

 

Eu desperto tardiamente

no meio do nada

e de dentro de um poço

olho para o céu que derrama

o seu vómito azul inconsequente.

 

As nuvens são animais ferozes

com dentes de chuva

um bando de gente volúvel

e de luzes trémulas

todos os animais enlouquecem

à sua volta.

 

Só confio neste lugar

de onde puxo a paisagem pela janela

com uma corda

fica um pouco apertada

nas minhas duas assoalhadas.

 

A corrente de ar faz bater

a porta da cozinha

no entanto sinto-me sufocar

perante a imobilidade do mundo

e o beco sem saída das ideias.

 

Todos os objectos me fogem das mãos

como os cães

que me roubam a comida.

 

Neste delírio tremens

assisto ao desabar

de tudo o que acreditava.

 

Ouço a campainha

afinal alguém me encontrou

neste manicómio

simulacro da eternidade

afinal sempre vão executar

a ação de despejo.

 

Lisboa, 11 de Novembro de 2012

Carlos Vieira

 
                                                           Jean-François Dupuis, “Delirium”

 

 

 

 

sábado, 10 de novembro de 2012

Líquenes, exercícios de vida mínima



 
 

Líquen

sussurro subtil

caligrafia de seiva

sobre a pedra inacessível

flor de um fogo breve

aroma de ave ávida de sonhos

 

líquen

voz que se ergue de erva-doce

sob as asas da neve

que irrompe na noite

das entranhas da terra

pelas frestas do tempo

cujo focinho empurra o sol tímido

pela madrugada

 

líquen

planta onde se acende

o reflexo rumor

de precários insectos

que viajaram

nos caprichos de vento

e que devoram agora

a última esperança

de uma vida vegetal

 

Lisboa, 10 de Novembro de 2012

Carlos Vieira

 
                                                 “Liquen” Myriam Le Borgne

 

 

 

 

 

Aula de ginástica da Matilde


 

 

Eis -me aqui

a multiplicar os pinos cambalhota

e as rodas

na serenidade

dos seus grandes olhos verdes

a sorrir nas pontes

vendo-a sair ilesa e de pés descalços

dos flic’s para trás e para frente

regressando a si

ao seu rabo de cavalo

à sua elegante desenvoltura

nesta girândola de acrobacias

puro poema do meu sangue

em movimento

e naquele momento

esqueci a ginástica do fim do mês

sem tapete

sem futuro

e tantos outros filhos

de equilíbrio instável.

 

Lisboa, 10 de Novembro de 2012

Carlos Vieira

 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Ontem...


Ontem

tive à espera do metro

de chapéu-de-chuva aberto

como quem segura

um pensamento

uma nuvem

quando entrei na carruagem

não percebi

aquela chuva de sorrisos

 

Lisboa, 9 de Novembro de 2012

Carlos Vieira

Desnível

Desnível

Por cima da ponte da ribeira de Loures, passei agora por um cão e um sem-abrigo, esquálidos os dois.
O humano de cabelo escorrido, de rosto mirrado e uma camisa de burel de ex-condenado, lançava-lhe insultos e um olhar furibundo.
O animal era dourado e trazia um baraço ao pescoço e seguia o homem a uma distância de segurança, seguia-o em trote curto.
O cachorro reconhecendo-lhe a comunhão da desdita, um destino comum, lançava-lhe um olhar que era uma outra ponte, por cima da ribeira de Loures

Lisboa, 9 de Novembro de 2012
Carlos Vieira

Desço pela névoa...

Desço pela névoa
o passado cabisbaixo
a vereda e o lameiro
pelo olhar lúbrico
dos bois
vou  ao bebedouro
e sorvo com eles
a água e a lua
lavo as feridas
alcanço a madrugada
e pego pelo cornos
a puta da vida

Lisboa, 9 de Novembro de 2012
Carlos Vieira

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Foi pelo sopé...


Foi pelo sopé

firme da estrofe

na tarde onde se diluía o sol rasteiro

que articulava

rimas e ervas daninhas

levou o gado das palavras tresmalhadas

para o redil

e os lobos rondaram

toda a noite à volta

do poema

que lhe enganava a fome

 

 

Lisboa, 8 de Novembro de 2012

Carlos Vieira

Lagunas

as lagunas
pensamentos
escritos por extenso
afogados no tédio do Verão
na temerária utopia dos peixes
fora de água
são setas de sílex que sobem à tona
reféns de uma verdade profunda
e de razões superficiais

Lisboa, 7 de Novembro de 2012
Carlos Vieira

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Ilumi(ter)nura


 

 

Contorce-se

exuberante o teu corpo

lânguido

insurgindo-se

contra as arestas

contra o ofício

das horas contratadas

na veemência do seu olhar

urde a artimanha

de veludo

pela fresta aberta

escapa-se a caligrafia

da alma

insubordinada

até ao istmo da melancolia

no  leito frugal

espraia-se eloquente

sinuoso

o damasco do seu torso

em êxtase

de espírito possuído

sonhada

ou venerável iluminura

que convoco

só para este momento audaz

e íntimo de ternura  

debruçado sobre o abismo

do teu corpo

 

Lisboa, 7 de Novembro de 2012

Carlos Vieira

                                                                 “Nude” de George Brassaï

 

 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Os cotovelos...


 

Os cotovelos

em v suportavam-lhe

o rosto

 

os olhos embargados

de azul

e a escotilha embaciada

do plâncton

anunciavam a tempestade

da vida

 

desce a bruma

pelos seus cabelos

em desalinho

no teu olhar aceso

o ricochete

da carícia dos meus dedos

 

assustada refugiavas-te

num silêncio

ao fundo do túnel

 

trazes de volta

à paisagem

o guizo da alegria

de um pensamento solto

único

 

tu és feita

da fibra e do arco

de antes quebrar

que torcer

 

ouço siderado de espanto

a grande orquestra dos materiais

o siroco que assobiava

e tu nua

no princípio da noite

e tu nua

no zinco das varandas

e tu nua

nas madeiras de mogno que gemiam

quebrando o verniz

tremes de emoção e de frio

 

nas esporas

de um bárbaro desejo

em apoteose

o rubi dos teus lábios

demoravas o cerco

das tuas ancas de orquídea

 

o teu corpo alucinante

desmaiado

estandarte azul

sobre o dorso de um cavalo

a galope.

 

Lisboa, 4 de Novembro de 2012

Carlos Vieira

 


“                                                 Rapariga em cavalo” por YOCO

 

domingo, 4 de novembro de 2012

Em segredo


                 "A água anónima sabe todos os segredos. A mesma lembrança sai de todas as  fontes."   Gaston Bachelard; "A Água e os Sonhos"

 

 

Peço-te o maior sigilo

e a maior contenção,

tudo o que aqui escutares se cale contigo,

deixa que as fragâncias da tarde te acompanhem

e que o teu corpo resvale pelos córregos da colina.

 

Tu serás sempre aquele sorriso

o que se fechou na curva

por detrás da fulva luminosidade,

onde reinava a firmeza e a fragilidade

de um tronco do carvalho.

 

Nada vou revelar

ainda que sujeito à tortura do sono,

permaneceremos inteiros e eternos,

flutuando

por cima do rio dos nossos corpos.

 

As palavras exigem a mais absoluta reserva

e a discrição mais ponderada,

tudo isto está envolto no segredo

inexplicável da partilha.

 

Sobreviver no murmúrio do lençol de águas

que nunca se renderam

e percorrem ainda,

clareiras resplandecentes de calcário,

bebemos pois

das harmoniosas ânforas de argila,

aplacando a nossa sofreguidão

de amantes e peregrinos.

 

Atento à sua natureza

o segredo que comungamos

suscita a necessidade

da maior confidencialidade,

pois que só preservando

a nossa serenidade oculta

podemos sobreviver.

Pois caso veja a luz do dia,

caso seja exposto,

nunca irá resistir à curiosidade mórbida,

ao decantar da sede de conhecimento

e à urgência da ilusão.

 

Tal matéria

se de público acesso,

será como um violado corpo nu

e a seguir proscrito,

o qual no fim

até o seu mais sagrado e profundo

mistério pode soçobrar,

deixando-se transpor

pela tragédia do silêncio desvendado.

 

Uma flor que desabroche em atmosfera hostil,

prematura poderá ser a sua morte,

à sua volta

tudo ficará um pouco mais frio

e mais duro, sombrio e desnudado

nunca viverá as efémeras sombras

das borboletas.

 

E quando,

e se nos olharmos

não iríamos mais

perdurar.

 

Traída essa secreta cumplicidade

dos que viajam dentro de nós,

restava-nos viver para sempre escondidos,

assumindo a falsa identidade

dos refugiados.

 

Eu que apenas existo

porque tu respiras

e tu que serás sempre

o meu satélite natural.

 

Minha secreta luz interior

que fulguras dentro de mim,

de tanto te querer minha

e ao mesmo tempo livre,

podes muito sucumbir

sobre ventilada

ou de falta de ar.

 

Neste protocolo de vigília

zelo pelo sigilo,

defendendo a perfeita alegria

do teu rosto,

o selvagem percurso dos teus lábios

da insana obscuridade

de todas as ameaças

e o segredo que guardo

é tudo aquilo que junto de ti

eu esqueço.

 

Lisboa, 4 de Novembro de 2012

Carlos Vieira

 
                                                     “Le double secret” de René Magritte

 

 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Página em branco


 

 

deixar o papel de pousio

e nesse claro nada

deixares que o leve um rio

 

exposto ao ínfimo

e mais leve

excremento de um insecto

 

à breve

obscuridade de um vinco

ao estigma da nódoa

 

à leviandade da luz

ao rumor

subliminar da marca de água

 

cego que leva pela mão

e pressente o frémito

no poema vazio

 

só ele pode chegar ao sol

e organizar o caos

reacender a festa

 

e naquele sangue branco

dos homens voltar a ouvir-se

o vento os pássaros e a floresta

 

Lisboa, 1 de Novembro de 2012

Carlos Vieira

 
“                                                          Page blanche” de René Magritte

 

 

 

 

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Um primeiro amor de 1.ª classe


 
Chove interruptamente, a minha jovem professora da 1ª classe, veste uma gabardina em 1967, ela podia afastar todas as nuvens com o seu sorriso suave.
De botins de borracha atravesso os charcos e o canto cristalino do ribeiro, conheço-os de cor e salteado, agora vou orientar a elegante professora, nestes caminhos impraticáveis.
É ainda escura a madrugada, eram enevoados os textos da 1.ª classe, se escolto a minha primeira professora, não quero saber do tempo, nem dos números e letras, quero ficar retido neste ano.
Nunca usei o mata-borrão nesse ano, a professora deu-me o livro do Bambi, pela minha tarefa de guarda-costas.
Eu disse um palavrão, quando me mandou chamar para limpar o recreio, dispensando-me da nobre missão de seu escudeiro.
Ela, no ano seguinte, não regressou e fiquei de castigo para o resto da vida, aparece sempre nesta época do ano.

Lisboa, 31 de Outubro de 2012
Carlos Vieira

Guerra civil




Uma súbita iluminação, uma corrente de ar, o efeito de sopro, o clarão na árvore do medo,
os efeitos colaterais e o estrépito das sirenes.
As pernas e corpos pela terra e pelo ar, as estrelas e o azul do céu sangrando, a entrar pelo
sótão, as botas cardadas e tu sem respirar debaixo da cama.

O combustível no pavio é uma combinação dessa paz podre e do rosnar de ameaças com
escaramuças de permeio. Seguir-se-á, certamente, a declaração de guerra após aquele navio
ou antes um barco a remos, um avião de papel ou a desculpa de uma flor que furou o
bloqueio.

Oiço o assobio do vento na empena e o grito lúgubre na chaminé, o rufar dos tambores,
alguém a contar espingardas. A guerra bate-nos à porta e as crianças vão dormir para cama
dos pais, escondem-se debaixo dos cobertores, caso não tenham sido já todos alistados.

Há um rosto antigo que arde na campânula da candeia que cuida dos soldados feridos,
dos gazeados, neste imenso hospital de campanha faltou a eletricidade.
Todos já fomos atingidos e já ficamos às escuras, tivemos em tantas frentes. Agora,
recordando, também nós confundimos o amor e a luz com a compaixão de uma enfermeira.

Enquanto o Inverno se apodera das trincheiras, a água ferve na cafeteira.
Neste tempo de rações de combate, de comida fora de prazo, os soldados do pelotão aperta-
se-lhe o dedo no gatilho e no coração, enregelados.
As vítimas dos fuzilamentos também se lhes aperta o vazio e um irmão do outro lado da
barricada.
Junto aos muros e labirintos de tijolo das cidades sitiadas, todos agonizamos, comendo o pão
que o diabo amassou e bebemos café sem açúcar.

Entre as rugas de tantas tempestades e batalhas há olhos que cintilam de demência e alegria, outros que faíscam de raiva ou ardem nas lágrimas de fumo e de pólvora, as granadas cegas confundem-se com aves e o esvoaçar dos estilhaços dos sonhos, tornando impossível à mão gentil o amanhecer que procura.

Lisboa, 31 de Outubro de 2012
Carlos Vieira

                                                  “O Fuzilamento” de Francisco Goya

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

História com fim triste para o plátano da minha rua



Não importa a existência

de um único plátano na minha rua

aliás não tem qualquer relevância

apenas perdia

e isso não se pode considerar pouco

um acordeão de vento.


Sei dele no outono

das folhas vermelhas

que me acenam

que se vão embora

há árvores que somente

fazem sentido

em algumas estações

noutras eram dispensáveis.


Sei dele também

que está etiquetado para ser abatido

pelos serviços camarários

o que é pena

puro egoísmo

causa-me um certo transtorno

às minhas tardes livres.



Encosto-me a ele por vezes

e oiço-lhe bater um relógio bêbedo de seiva

ninguém dá valor às árvores

que abraçamos durante a vida

com quem fizemos amor

árvores poderosas

de inspiração e sombra fresca


Sei dele do plátano

pela penugem das bolas verdes

sob a relva ou penduradas

amáveis como pequenas nuvens

que amadurecem

habituei-me a admirá-la

e a  considerar a sua opinião vegetal.


Por baixo havia um banco de jardim

de um verde desmaiado

ali se contracena sempre

o mesmo drama

de uma velha conhecida solidão

e das flores que emergiam dos seus olhos

era um banco com o freio nos dentes

e de raízes na terra

de quem vivia à sombra do plátano.


No plátano os pássaros eram fugazes

assombrações

uma bela manhã recortada por uma motosserra

e o plátano passou a ser

mais uma assombração.


Lisboa, 29 de Outubro de 2012

Carlos Vieira