domingo, 4 de novembro de 2012

Em segredo


                 "A água anónima sabe todos os segredos. A mesma lembrança sai de todas as  fontes."   Gaston Bachelard; "A Água e os Sonhos"

 

 

Peço-te o maior sigilo

e a maior contenção,

tudo o que aqui escutares se cale contigo,

deixa que as fragâncias da tarde te acompanhem

e que o teu corpo resvale pelos córregos da colina.

 

Tu serás sempre aquele sorriso

o que se fechou na curva

por detrás da fulva luminosidade,

onde reinava a firmeza e a fragilidade

de um tronco do carvalho.

 

Nada vou revelar

ainda que sujeito à tortura do sono,

permaneceremos inteiros e eternos,

flutuando

por cima do rio dos nossos corpos.

 

As palavras exigem a mais absoluta reserva

e a discrição mais ponderada,

tudo isto está envolto no segredo

inexplicável da partilha.

 

Sobreviver no murmúrio do lençol de águas

que nunca se renderam

e percorrem ainda,

clareiras resplandecentes de calcário,

bebemos pois

das harmoniosas ânforas de argila,

aplacando a nossa sofreguidão

de amantes e peregrinos.

 

Atento à sua natureza

o segredo que comungamos

suscita a necessidade

da maior confidencialidade,

pois que só preservando

a nossa serenidade oculta

podemos sobreviver.

Pois caso veja a luz do dia,

caso seja exposto,

nunca irá resistir à curiosidade mórbida,

ao decantar da sede de conhecimento

e à urgência da ilusão.

 

Tal matéria

se de público acesso,

será como um violado corpo nu

e a seguir proscrito,

o qual no fim

até o seu mais sagrado e profundo

mistério pode soçobrar,

deixando-se transpor

pela tragédia do silêncio desvendado.

 

Uma flor que desabroche em atmosfera hostil,

prematura poderá ser a sua morte,

à sua volta

tudo ficará um pouco mais frio

e mais duro, sombrio e desnudado

nunca viverá as efémeras sombras

das borboletas.

 

E quando,

e se nos olharmos

não iríamos mais

perdurar.

 

Traída essa secreta cumplicidade

dos que viajam dentro de nós,

restava-nos viver para sempre escondidos,

assumindo a falsa identidade

dos refugiados.

 

Eu que apenas existo

porque tu respiras

e tu que serás sempre

o meu satélite natural.

 

Minha secreta luz interior

que fulguras dentro de mim,

de tanto te querer minha

e ao mesmo tempo livre,

podes muito sucumbir

sobre ventilada

ou de falta de ar.

 

Neste protocolo de vigília

zelo pelo sigilo,

defendendo a perfeita alegria

do teu rosto,

o selvagem percurso dos teus lábios

da insana obscuridade

de todas as ameaças

e o segredo que guardo

é tudo aquilo que junto de ti

eu esqueço.

 

Lisboa, 4 de Novembro de 2012

Carlos Vieira

 
                                                     “Le double secret” de René Magritte

 

 

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