sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Pequenos poemas de misericórdia ao homem boçal


Nestes novos tempos em todos nós habita esse homem que menospreza
na sua ancestral mediocridade:
I
a destreza da árvore
e das raízes a clarividência
e a demência
da ave
inutilmente
a golpear de asa
a fúria dos ventos
II
a inolvidável cintilação
e subtileza
das flores
arregimentando cores
que correm nas artérias
corpo a corpo
com o silêncio
III
a timída arquitectura
da luz
das palavras
e o murmúrio aceso
da sua seiva
na imensa
sofreguidão dos espaços
manietando
a ternura do gesto
IV
ignora
a cicatriz do granizo
na clorofila
da folha
que a palma da mão
áspera e rural
acaricia
no bulício
da manhã inquieta
V
desconhece
o trinado
da bicicleta do carteiro
no ocaso
das aldeias
despertando
outras tantas
campainhas
VI
que sabe ele
do ranger
dos gonzos
enferrujados
das portadas
da noite
e das mãos
retorcidas
de artroses
orações
e distâncias
dos que lhes são
próximos
Lisboa, 10 de Abril de 2016
Carlos Vieira

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