sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Enquanto a cidade dorme


Algures
se estimulasse
a minha hipersensibilidade
podia até distinguir as vibrações
deste prédio onde resido
nos seus doze andares
cada resfolegar
as aflições
e o frigir dos cozinhados
uma babel de sabores
e de razões muito razoáveis
contando com os seus 48 lares
e não sei bem quantos
corações devolutos
vivo por vezes amarrado
entre o presente e o passado
dos aromas
entre cada patamar
podia alimentar-me deles
da sua intensidade
aliás como muita gente
que desconheço
mas adivinho
que terá como primeiro
e único prato
o que os olhos comem
mas há estes dias assim
em que tudo me dói
e todos me doem
os que vivem por debaixo
e por cima de mim
sempre assim foi
as dores são mais
daqueles que me estão perto
por um lado a indiferença
de vizinhos
por outro a sua viscosa
intromissão
minha cidade à flor da pele
antissocial
neste domingo de manhã
luminosa
furada a berbequim
respeitando escrupulosamente
a postura municipal.
Lisboa, 24 de Abril de 2016
Carlos Vieira

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