quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Nocturnos urbanos



 

I

 

Poderia estar aqui emboscado

a ouvir tudo o que a noite

nos esconde

ou nos trás.

O que nos contam

os insectos breves

na sua voz mínima.

Sintonizando

de antenas no ar

nas longínquas frequências

os passos de fantasma

dos que nunca dormem

dos que nunca se ouvem

dos que ninguém ouve.

 

II

Poderia ser o cão a ladrar

daqui à lua

como quem atira um verso

que lhe devolve em osso.

Se para responder

se aproximasse

era lançar-lhe o laço

era prendê-la a um pinheiro.

Só a libertaria se ela aqui

a pé juntos jurasse

nos deixar

todo o seu silêncio de prata

com que de longe

nos provoca

e os amantes infelizes

passariam a destilar

um luar de resina.

 

III

 

Poderia estar aqui

a ouvir o motor de automóvel

que se afasta

e outro que se aproxima

as luzes que se perdem

outras que me ofuscam

o piso escorregadio

e a  curva da solidão

também rima.

 

IV

Poderia deixar-me aqui

tolhido pela noite que arrefece.

Poderia começar a tremer de raiva  

numa gratuita manifestação

de estátua

que bate os dentes de frio.

Poderia tornar-me no mais humano

dos seres

que por nenhuma causa

desistiu

só de fome

se deixou vencer

numa caixa de cartão.

 

V

 

Poderia estar aqui acossado

por este rumor de reflexos

da contradição

dos medos

de cidade adormecida

e deixar-me seduzir

pela luz álgida dos candeeiros

que se cruza indefinida

na fluorescência

das insónias

dos vapores do alcóol

e da razão

do preço da electricidade

no on/off da vida

 

VI

 

Deixar-me atrair

ao mais negro beco

onde lampeja

a lúcida discrição

das lâminas

e os mais desprotegidos

com mais ou menos luta

se apagam

encontrando por fim

a paz absoluta.

 

Lisboa, 5 de Dezembro de 2012

Carlos Vieira

 

 

 

 

 

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