Cúmplice do salgueiro,
vive à séculos
no largo da aldeia,
consternado
nos confins
de tanta ausência,
ao abrigo
da extensa sombra
do seu eremitismo,
atónitos
num afecto vegetal,
esforçam-se por cingir
estranhos mistérios
com sonhos recorrentes,
esconjurar
a culpa
com o silêncio
agridoce das amoras.
O chafariz
prossegue o seu inacessível
diálogo
com o mármore rosa
desde a noite dos tempos,
agora interrompido
menos amiúde
para a alquimia
das bocas sequiosas
cada vez menos jovens,
tanto tempo depois
da sofreguidão
dos cântaros
e das tardes,
entrecortadas
pelas labaredas
dos incêndios
e pelo coaxar das rãs.
Na janela entreaberta,
podia-se adivinhar
antes do frenesi do futuro
um rosto de aparente calma,
depois de um vendaval
doméstico
que foi a ânfora antiga
quebrada
e por detrás da cortina,
um côncavo bocejo
beijo
de jovem louca.
Intérpretes
desta absurda
coreografia,
de um desprendimento
sem rumo,
evocam a memória
dos que partiram
e confiam
que o seu gesto singelo
de se pentear
na penumbra,
acompanhados
por aquele realejo de água
e de êxtase,
em esconderijos
de cambraia,
são eternos aprendizes
que se escutam no eco
da imortalidade,
distinguindo-se
na sua serena e tosca
imobilidade
da decadência do efémero.
Lisboa, 31 de Agosto de 2014
Carlos Vieira
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