sábado, 2 de agosto de 2014

No silêncio da noite

I
Já noite alta
os cagarros
apagam
não sei se o grito
se o canto

extinguem-se
na garganta
vulcânica
da noite

e na cúpula
das árvores
a medo
espreitam
as estrelas

II
são duas horas
da manhã
a minha cabeça
em erupção
e o meu corpo
é um penedo

III
no primeiro piso
da casa
o soalho deixou
de ranger
familiar
é este baixo
acústico
são três da manhã
e ouço ressonar

IV
não durmo
nem tenho insónias
esta casa 
é a caixa de ar
de um instrumento
que tudo faz ressoar

V
as horas
do meu relógio
fazem-se agora 
no sótão
do deambular
não sei
se de ratos
ou se das lagartixas

VI
são cinco da madrugada
a poente canta
o galo da tia Serafina
e a noite
perante o Pico
sonâmbulo
mais se agiganta

VII
despertam-me
mil e um pássaros
cantam incessantemente
nos castanheiros
harmónio
que me recorda
noites idas
pesadelos e impropérios
blasfémias
e maldições vencidas

VIII
cúmplices
repousam sobre a arca
regressada
da última viagem
das américas
um clarinete
e um oboé
depois a solo
oiço um assobio
está pronto
o café

IX
por fim
chegou a hora
da orquestra do silêncio
de sarar as feridas
do poema
que quero
agora povoado
de vozes emigrantes
esquecidas

Santa Rita, 2 de Agosto de 2014

Carlos Vieira

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