Um punhal de onde escorre sangue é
apenas um peixe debatendo-se fora de água. O cachorro que o fareja é um pedaço
de nuvem, de metal caído do céu a ladrar no areal, ouro velho a debruar vultos
de saudade, de rochedos e naufrágios.
Na moldura da manhã de prata deste
mar, o punhal, o sangue fresco e dissidente é a única flor possível, no fim de
Setembro.
Um crime por desvendar, uma nota
dissonante, no silêncio de bronze.
Daqui a pouco a maré tudo isto
irá apagar, os vestígios de luta inglória ou de dança macabra, pois claro. Depois
de ter calado na noite cúmplice o grito exangue, vai agora devolver o peixe
punhal ao mar.
Na solidão dos búzios poder-se-á
escutar o verdete de um grito naufrago, de um punhal preso entre dentes ao
fundo atlântico.
Agora, a única esperança de
preencher este vazio de culpa está nesta memória de sangue, no olfacto de um
cão vadio, reunir um assassino com um corpo morto na eloquência acusatória de uma
moldura.
Fragmentos de indícios onde
apenas se pode cheirar o autor e a vítima, eventualmente, a ironia de um motivo
fútil e deixar para sempre um crime preterintencional sem castigo debruado a
ouro velho de areal.
Tudo aquilo poderá ser tão-somente
imaginação prodigiosa, talvez fundamentada na circunstância de um testemunho
frágil, lixo, ruídos, resquícios e visões que sobram dos vapores de uma noite
de excesso álcool neste Verão interminável.
Lisboa, 29 de Setembro de 2013
Carlos Vieira