segunda-feira, 14 de maio de 2012

Post-it’s


não te esqueças

de fechares a janela

gostava de ver-te espreguiçar

sobre aquela invasão do canto dos grilos

e o omnipresente perfume das nêsperas

de permeio

podes proclamar breves palavras

e elas serão para mim

a senha e contra senha de acesso ao infinito

do teu corpo e alma

de onde nunca saí



não te esqueças

se a brisa soprar fica quieta

para que te possa vislumbrar

nos teus cabelos compridos

e sobrevoar o claro escuro

dos teus ombros nus

ou será do teu pescoço?

sempre tive medo das alturas

tu és o peso exacto

neste instável equilíbrio

das nuvens

do pensamento

onde sobrevivo

com raiz no teu olhar

só me interessa a tua plenitude




não te esqueças

que os gatos devem ficar na rua

e os deuses também

pendurados nas árvores do jardim

a espreitarem os lagos

nessa aprendizagem difícil e nocturna

do convívio com os pássaros e os peixes

permitindo que te possa de novo ver acordar

cuidando que o teu esplendor

seja maior que a madrugada



não te esqueças

toma um banho de imersão

e toca piano

cuidado não te vás afogar

naquele sonhado andamento

onde nos deixámos

ou te falte o ar

numa bolha de solidão

e tu seja apenas

a cor que me perde

a espraiar-se morena

no território da tua pele

vencendo a água

libertando-se do vapor

e da carne



não te esqueças

deixa a luz da varanda acesa

para que os insectos e as feras

sofram do desespero da tua ausência

e te abandonem definitivamente

e tu fiques ali

pairando

sem nunca te entregares

sem nunca seres só pra mim



não te esqueças

podes ler umas tantas páginas de um clássico

e depois põe aquele sorriso ténue

de olhar distante

saberei do perfume dos teus dedos

virando a página

nas entrelinhas eu vou escrever

secretamente

outro alinhamento para o espaço

do amor possível



não te esqueças

despe a tua camisa de dormir pérola

com motivos chineses

como se fossem folhas de cerejeira

e se te olhares ao espelho

eu ficarei de novo cego

entre a nudez espelhada e a outra

sem saber qual a diferença

a fronteira

sem saber se tu existes

sem ouvir o que se diz

o amor sempre desvanece

na coisa amada

não há país real



Lisboa, 14 de Maio de 2012

Carlos Vieira




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