terça-feira, 8 de maio de 2012

Poema casulo

Tive antes de tempo
particulares afinidades
de larva
ao fingir-me de morto
senti algum formigueiro
neste gostar de morder a terra

desses bichos anónimos
gosto de observar-lhe
a azáfama
de senti-los “álacres e sedentos”
de sabê-los virgens e de me sentir Deus
e vê-los sem me verem a processar o bem e o mal

a larva leva aquela vida pacata e precária
fingindo não saber
do seu poder de nos levar à morte em minutos
neste entretanto daquele seu reino das trevas
vi fugir da cultura da lamela
pelo microscópio um calmo cientista contaminado

devorando inexpugnáveis matérias
entre nuvens de bolor e náusea
entre odores pestilentos
produz em laboratório o mais puro silêncio
esse bálsamo que nos ressuscita
inúteis sonhos casulos de borboletas

a larva que se impregna na madeira
que não é visível a olho nu
dissimulada ou discreta
de qualquer maneira é verme miserável
execrável voyeur que durante o sono
da mesinha de cabeceira me parasita os sonhos

peguei numa amostra e observei a larva
de todos os ângulos e a diversas horas
surpreendido
verifiquei que o ínfimo animal
me olhava  desconfiado mas sempre com ar superior
de quem pensa mais tarde ou mais cedo encontrar-nos-emos.

Lisboa, 7 de Maio de 2012
Carlos Vieira

                                                      “Parasitism lover” por sheepxxx

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