sábado, 5 de maio de 2012

O crime perfeito (I)

 

no leito entreaberto o lençol era um enorme jarro flor, de onde escorria o marfim que já foi anterior ao gestos de despertar e se prolongava na camisa de dormir que escondia o corpo frágil. uma rosa de sangue parecia levar a luz dos caracóis loiros. pétalas de luz floriam nas frinchas da persiana e acendiam a metade da água que repousava na jarra de vidro sobre a mesa de cabeceira. aí havia muitos comprimidos completamente brancos semeados no caos. um choro ténue de mãe ou de filha surgiu como um riacho debaixo da porta com foz num aposento contíguo. havia aquele intruso no espelho que era eu. que fazia ali a usurpar a cumplicidade doce e morna da madrugada deste quarto? somente aquele cheiro recente de pólvora me era familiar e que apontava para que algures calada, se poderia encontrar a flor fatal, até que no esquadrinhar minucioso do olhar ela ali estava, de prata caída, depois da última primavera de fogo, a pistola tinha adormecido num sono solto,  sob o tapete creme de angorá, planeando outra trair a vida noutro jardim interior.

Lisboa, 5 de Maio de 2012

Carlos Vieira

                                                           
                                                          A Morte de Desdemona - Delacroix

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