no leito entreaberto o lençol era
um enorme jarro flor, de onde escorria o marfim que já foi anterior ao gestos
de despertar e se prolongava na camisa de dormir que escondia o corpo frágil. uma
rosa de sangue parecia levar a luz dos caracóis loiros. pétalas de luz floriam
nas frinchas da persiana e acendiam a metade da água que repousava na jarra de
vidro sobre a mesa de cabeceira. aí havia muitos comprimidos completamente brancos
semeados no caos. um choro ténue de mãe ou de filha surgiu como um riacho debaixo
da porta com foz num aposento contíguo. havia aquele intruso no espelho que era
eu. que fazia ali a usurpar a cumplicidade doce e morna da madrugada deste
quarto? somente aquele cheiro recente de pólvora me era familiar e que apontava
para que algures calada, se poderia encontrar a flor fatal, até que no
esquadrinhar minucioso do olhar ela ali estava, de prata caída, depois da última
primavera de fogo, a pistola tinha adormecido num sono solto, sob o tapete creme de angorá, planeando outra
trair a vida noutro jardim interior.
Lisboa, 5 de Maio de 2012
Carlos Vieira
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