Vasculhar, esse verbo que pode remexer no mais sórdido da natureza humana, nesse lado mais negro que nos acompanha na descida aos infernos ou na subida aos céus, no preconceito e no limite da tolerância que cultiva a escória, mesmo quando, seraficamente se vai podando e regando o roseiral.
Vasculhar, o caixote do lixo da história com as mãos de gardunho do futuro, de gadanho da fome, no interlúdio da morte, contígua a esta abominável decomposição da imundície do presente.
Os cães rafeiros são, neste cenário, o elemento que se considera mais próximo do humano, quiçá superior e são estes que nos ensinam agora, o mais elementar respeito pelas leis da sobrevivência.
Vasculhar, sentir o cérebro latejar no lado de dentro do silêncio, do desespero, indagar de forma veemente o nada, o inevitável, passar a pente fino, toda a mixórdia das hipóteses e dos lugares e, no regresso, de mãos aranha lívidas e de unhas negras, a abanar, ainda acreditamos ser possível o tecer do sonho, e virar do avesso a nossa inconsolável casa das ilusões. Dentro de nós existem fraquezas que desconhecemos.
Vasculhar, nesse emaranhado novelo de angústia ou atlas da memória onde quase nos perdemos definitivamente da esperança, depois do labirinto onde entramos. Andamos à volta de nós, procurando outro final para o fim onde nos encontramos.
Neste jardim das oliveiras, lá vamos confinando o medo onde definhamos, de forma a adiar o início da viagem sem regresso que cada vez, de forma mais assídua, nos confronta com aquilo que melhor resiste, o pior de nós mesmo.
Finalmente, depois de tanto vómito, de nos habituarmos a frequentar o esgoto e a sargeta, de tanto transigir, naquilo que juramos a pés juntos ser o nosso último reduto de dignidade, após tanto excremento na ventoinha, depois de tanta morte adiada, de todo esse estrume, as mãos em estrela dos novos respigadores vão fazer irradiar, a madrugada de uma bela e pequena flor sem nome, propagando o perfume da compaixão e das ideias, o contágio da corola de um sorriso audaz, o seu frágil caule vai-nos despertar para a alegre energia dos caminhos e dos espelhos, permitindo evitar a aridez desumana dos atalhos e a nossa sombra pegajosa de caçadores dos pântanos.
Lisboa, 3 de Maio de 2012-05-03
Carlos Vieira
Um homem respigando numa lixeira da Venezuela no site “Requiem of Human Soul”
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