existe uma cabra dentro de nós
que voa, que salta,
que cabriola
e depois regressa ao recolhimento da erva
à serenidade de monge budista
a olhar o precipício e o cume das montanhas
a cabra que cai em si
a cabra põe-se em bicos de pés
para ver ao longe
para que seja vista
cabra do desassossego
irrompe pelos barrancos
suspensa nas faldas da montanha
ágil é o raciocínio da cabra
sobre o manto de neve espreitam o infinito
manchas castanhas
erguem-se as puras hastes da alegria
de nariz no ar
contra o vento
ordenhas o nevoeiro
cuida a cabra da sobrevivência
progridem as cabras pelos penhascos
com ouvido de tísico e duros cascos
cabras góticas e inventadas e secas
poemas nómadas
ruminando papel de jornal
no espírito do rebanho
crescem nas pastagens mais recônditas
as elegantes cabras
são sonhos embevecidos para punhais
os lobos são vultos que vigiam
nas escarpas
as palavras proscritas
e as cabras perdidas
Lisboa, 29 de Maio de 2012
Carlos Vieira