Viagem em círculo
Estou um pouco
enjoado
de pontes e de canais
ou talvez
a cervejaholandesa
tivesse sido
demais.
Deixo-me ir
ao sabor da maré
e da espuma
da manobra tranquila
sigo o labirinto secular
do tijolo
e dos barcos-casa
na bruma.
Caio na armadilha
da eloquência
das janelas
e das escotilhas
subitamente
estou acima
da linha de água
do seu murmúrio
entro
no roçagar
doméstico
da sala de jantar.
Ao mesmo tempo
pareceu-me ouvir
na penumbra
de um recanto
o resfolgar
do voo curto
da navalha
que antecede
o grito lancinante.
Quarteirões à frente
algures acendem-se
janelas de oportunidades
montras de espanto
a nu
de um lado e doutro
abismos de alma
hinos ao impudor
dos sentimentos.
Em caleidoscópio
precedendo o rodopiar
manso das bicicletas
com suas as cintilações
de alumínio
interpreto a subtileza
das imagens
de desencontros
o chapinhar nas margens
da solidão
no desencanto.
Abandonados
nas esplanadas
e por becos esconsos
simulacros
de um leilão do amor
envolto de perfume
e especiarias
e do fumo
dos cachimbos de água.
Viagens
em círculo viciado
ou viciante
pelos canais
pelas ruas estreitas
onde se cruzam
e se entendem
dialectos exóticos
do outro mundo
na noite
de Amesterdão.
Amesterdão, 11 de Junho de 2014
Carlos Vieira
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