Podes seguir agora
pelo cais
não cais
carregando
esse teu molho de ossos
desengonçados
vais nesse desespero
de quem fica
no olhar
de quem parte
escutaste o alvoraçar
de um incêndio
fulminante
na guelra dos peixes
e o rumor da água
e os limos húmidos
nas paredes
de mármores antigos
dos teus últimos beijos
devastados de marés
e de razões
conheceste o fulgor
dos pequenos caranguejos
espreitando
na aresta de um coração
esse motor fora de bordo
que sangra viagens
no porto
sabes que é noite
pelo ranger das madeiras
e das ferragens
a lamberem os pulsos
deste tempo
no drapejar
das velas brancas
por cima das quais
descansam as gaivotas
e a audácia do pensamento
onde falta o vento
e a bússola
arrastas a âncora
e uma garrafa verde
a partir da qual
vislumbraste um rumo
de penumbra
a sonhar seda e especiarias
e rotas ancestrais
na escala de cabotagem
que te tocaram
na vida e na morte
agora ali estás
literalmente
afogado
de toda a paisagem
desfigurado
embora coroado
desse viço resplandecente
de algas
a descaírem-te
pelo sobrolho.
Lisboa, 17 de Junho de 2014
Carlos Vieira
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