segunda-feira, 9 de junho de 2014

6 de Junho de 1944



Um rosto de espanto
incrédulo, sem pé,
perante o vazio.

A mão acesa 
com uma granada
essa flor quase animada.

O corpo arrojado
desmembrado, uniforme
rasgado, em mais um dia D.

A praia é um jardim
de minas e arame farpado,
um perfume de sal e pólvora.

A areia juncada de corpos
a apanharem sol, inútil é o efeito protetor
do próprio sangue.

Os soldados chegam 
nas barcaças de braços abertos 
vão abraçar a morte.

Morre gente 
aos milhares pela Democracia
nas praias do dia D e nos outros dias.

Por ti, por mim, por nós
morrem todos os dias na indiferença
parece que foi ontem.

Foi hoje, ontem, foi há muito tempo
e valeu a pena, quem esquece?
quem é que se lembra?

Para que serviu
o fogo de rajada, a baioneta em riste?
E agora calada, e agora calada!

E agora aqui estamos
mais um dia triste de ondas 
de medos e de frio.

Mais uma noite 
de desembarque na praia 
de uma qualquer Normandia.

Lisboa, 6 Junho de 2014
Carlos Vieira



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