Silêncio aflito
grito estrangulado
palavra murmurada
ave derradeira
véspera de água
desterro de um barco
corpo inanimado
tempestade crua
olhos marejados
sonhos soterrados
percorre a rua alagada
no oportuno apagão
a ferida interrupta
é uma janela aberta
para o abismo
um sorriso esquecido
naquelas mãos acesas
esse peixe exausto
e assustado
cresce a árvore exuberante
por detrás
do beijo surpreendente
acreditamos agora
na inacreditável substância
das nuvens
respirando
no calendário dos meses
onde a solidão
inventa o desabrochar
das flores e das aves
em noites de insónia
onde amadureceu
a nascente
do néctar indizível
dos cantos
que fazem vibrar
os inquietos materiais
com que são feitas
todas as horas
em que pede descanso
um olhar
depois que regressa
ao carrossel
dos recônditos perfumes
de um aroma
em que acontece
a insensata veemência
do amor
que não se pode tocar
nem se pôde saborear.
Lisboa, 25 de Junho de 2014
Carlos Vieira
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