segunda-feira, 4 de junho de 2012

Poema promíscuo



Promíscuo

tropecei hoje nesta palavra

no saguão do desalento

onde te encontro



reviram-se as minhas córneas de espanto

olho para o mundo

que apodrece dentro de nós



depois do vómito nauseabundo

cresces flor heróica

no momento sujo



regas a terra

espreito a pobre semente

a desaguar na imundice

o desabrochar

contra a ausência de alento

ouço a sua voz líquida

e fico ofuscado

na luz insaciável do teu ventre



a ferrugem corrói a noite

e o zinco

a humidade e as aranhas

percorrem o bairro social

no seu esforço de coesão

a lua não é precisa rigorosamente para nada

nem para as ligações diretas



os filhos dormem no mesmo quarto

único

uma suite

onde adormece a vista do mar

oiço-lhe o choro

e acorrente de ar

pode ser apenas um arroto

podem ser gases

nem te passa pela cabeça

que seja da fome

enquanto dormem não comem



dos oito pontos brancos

descortino

dois a um canto acesos

pode ser o gato

o gato não conhece outra vida

olha com desprezo

para os homens perdidos

na noite



ali ao lado passa o esgoto

e passas tu que és da rua sem nome

do lote inacabado

da decadência da alegria



noto a diferença

do branco dos teus olhos

que saem pela portinhola

antes do mur(r)o de desespero



na gaiola do desemprego

coabitas com um canário amarelo

contente da alpista

e desconhecedor dos problemas

de saneamento básico

no fundo não é assim tão mau

podem dar largas à imaginação



Lisboa, 4 de Junho de 2012

Carlos Vieira

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