Foi nesse tempo que amou, sem reticências, a sua primeira professora. Foi ela, que só por estar ali, o ensinou sem saber, depois das letras brancas de giz e português escorreito, toda a ternura do fim do Verão.
Ele lembrava-se das suas mãos
sujas de óleo, na corrente de bicicleta dela, dos segredos que lhe contou, de
todas as ondas que amansou por ela, da sua elegância, do seu precário
equilíbrio.
Podia até falar de todas as vezes
que vigiando-a, a salvou do esquecimento e do seu sabor a sal, um paradoxo de
ingenuidade com o cabelo em desalinho.
Tantas foram as vezes que correu
atrás do chapéu e depois lho devolvia, como se fosse uma pomba, aguardando o
seu inesquecível sorriso agradecido.
Quantas foram as vezes que ele sonhou
o seu saber tranquilo, nas suas pernas cruzadas e o gelado de baunilha, a escorrer-lhe
por um canto dos lábios.
Recordo-a no final da praia, de fato
de banho claro, a cor foi-se desvanecendo com os anos, ela e o rabo-de-cavalo dos
seus cabelos louros, iam de encontro à falésia, havia o inevitável reflexo dourado
da areia, que para o efeito, podia não ter tido qualquer influência ou teria
sido esse ângulo de luz que a iluminou até hoje?
No fim da tarde uma maresia
intensa, dentro de mim, um oceano de angústia e uma vontade indefinível de a abraçar,
como se a acabasse de perder.
Já possuído das competências que ela
o dotara, conseguiu ler e reler dias depois, a notícia cinzenta e triste, no
jornal do país triste, nesse dia ainda mais cinzento, “jovem professora não
sobreviveu em colisão frontal”.
No seu peito deflagrou um grito, as
letras brancas do quadro negro e as letras negras daquele jornal, agora
bailavam atónitas nas suas mãos, perante os seus olhos foram-se desfazendo, líquidas,
naquele bocado de papel amargo.
Seria sempre mais adequado e
razoável, um outro distanciamento, a verdade é que ia começar um novo lectivo,
o estudo seria, certamente, muito mais produtivo.
Lisboa, 9 de Junho de 2012
Carlos Vieira
“Jacket” por Jodoin
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