o regresso à infância
ao recreio das palavras
a estranha exuberância
do jogo da cabra-cega
à loquaz melancolia
do tacto e do aroma
dos teus seios
oiço-te
numa língua estranha
de pura urze
e levo as tuas palavras
como um rebanho
até à abundância verde
dos teus olhos
no teu rosto deixas tudo a nu
o silêncio cortante
das tuas unhas
e o grito estrangulado
no desfiladeiro
das tuas coxas
o bailado de conversas
nocturnas
um rastilho de fogo
no círculo das caravanas
os cães ladram
sobrepostos
ao murmúrio do perigo
e transparece no teu olhar
uma ininteligível torrente
rasgamos a roupa
e levamos tudo à frente
sem pestanejar
sem uma única palavra
as tuas palavras
lambem o destino
os teus dentes
mordem os frutos
que se escondem no bosque
onde os pássaros nunca
irão calar a sua eterna
revolta de só terem
as asas
e a liberdade
para se tocar
discretamente
e decifro na partitura
do teu corpo o voo das aves
os teu gritos de prazer
que se despenham
ora no céu ora no vazio
não deixam nada por dizer.
Lisboa, 3 de Junho de 2012
Carlos
Vieira
Man Ray “lips
in the sky” photos
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